São Paulo, segunda-feira, 5 de maio de 1997
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Incrível, essa CIA...

GUSTAVO IOSCHPE
ESPECIAL PARA A FOLHA

Quando eu cheguei por aqui, também pensava que essa tendência de americano de ver uma conspiração em tudo (Kennedy morto pelo próprio governo, Elvis Presley vivo e artilheiro do campeonato de futebol de praia sênior na Flórida etc. etc.) era pura baboseira de ianque. Mas agora me convenci, porque vejo que a CIA está no meu encalço.
Acho que descobriram que estou escrevendo e contando todos os podres da gringolândia (quer dizer, ops, da América, melhor país da Via Láctea, viu sr. espião?) e querem me fazer mudar de idéia. Senão, como explicar os acontecimentos da semana passada?
Um dia depois de ganhar um ingresso de uma afinadora de pianos para um concerto (já devia ter desconfiado a essa altura), foi a vez da ópera. Fui lá pra ver Aida, que obviamente estava com lotação esgotada havia meses. Cinco minutos depois da minha chegada, vem uma velhinha (essa é manjada, me dei conta na hora que só podia ser araponga) perguntar se eu queria comprar um ingresso. Ela me vendeu com desconto, dizendo pra mandar um abraço para a fulana do lado, que era sua amiga.
Chego ao meu lugar, e um minuto depois chega a fulana, perguntando se eu tinha comprado o tíquete da velhinha. Digo que sim, e ela fica indignada, dizendo que a velhinha devia ter me dado o ingresso, porque era óbvio que eu era um estudante necessitado. (Fiquei meio ofendido com a parte do necessitado, mas todo mundo sabe que a CIA sempre faz uma besteira no meio.)
A fulana (não pense que ela me disse o nome, nem eu iria perguntar, porque sabia que seria codinome) fica revoltada, diz que ela me daria o ingresso caso não fosse ela uma "quebrada", completamente sem grana. (Aí, pessoal da CIA, segunda mancada: pobre não vai à ópera.) A fulana insiste em manter o diálogo, apesar de as minhas respostas serem uns muxoxos inaudíveis.
Pergunta se eu sou de Montana ou da Carolina do Sul, e, quando respondo que sou brasileiro, ela diz estar impressionada com o meu inglês. (Boa, essa -fiquei lisonjeado.) Então ela me pergunta sobre a Benedita da Silva (terceira mancada: nem brasileiro sabe muito bem quem é a Benedita da Silva, quanto mais uma americana "quebrada"), talvez porque também a tenha espionado por aí.
Finalmente começa a ópera, e tudo vira um silêncio sepulcral, ninguém fala -nem a fulana. Depois de umas duas horas e meia -de um total de quatro-, quando a platéia já começa a ficar de saco cheio, um velho atrás de mim dorme. E ronca. Alto. Ah, pensei, taí o comparsa dela, porque não colocariam uma agente em campo assim, desprotegida. A fulana faz um "sshhh", e o velho acorda (meio artificial, deu pra notar essa).
Quando chega perto do final, eu me inclino para a frente pra ver um detalhe, quando instantaneamente sinto uma mão nas minhas costas. Pensei que estavam colocando uma escuta, mas era o velhinho: "Dá pra sentar direito?", ele diz, rompendo o silêncio. "Só se o senhor parar de roncar", respondo eu. A fila inteira ri (muito honrado, pessoal, mais de 30 agentes só pra mim), e, na saída, me dão tapinhas nas costas, "grande tirada", me dizem.
Enfim, fizeram de tudo pra que eu me divertisse, pra que não me aborrecesse com a ópera. Demais, esse pessoal da CIA.
Não se preocupem, entendi a mensagem: espera-se que eu não fale mais mal dos americanos, mas, se eu falar, já estou sabendo que -fuiiiit-, guilhotina! Então, fiquem tranquilos, juro que vou tentar me comportar. Só que, por favor, da próxima vez me deixem ver a ópera em paz. E consigam um ingresso melhor, com uma fulana mais novinha e bonitinha pra sentar ao meu lado, que tenha uma Ferrari e me convide pra sua cobertura no Central Park depois do espetáculo. Aí, sim, faço tudo o que vocês me pedirem.

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