São Paulo, terça-feira, 6 de maio de 1997
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Rebeldes do Zaire vão herdar o caos no sistema monetário

Le Monde
de Paris

JEAN HÉLÈNE

Os rebeldes de Laurent-Désiré Kabila herdarão a anarquia financeira do regime Mobutu. Três zonas monetárias coexistem no Zaire, onde, desde 1990, a produção de cédulas vem aumentando vertiginosamente, provocando a rejeição dos comerciantes partidários da oposição, furiosos com a hiperinflação.
Em 1992, o então premiê (saído da oposição) Etienne Tshisekedi negou-se a dar seu aval a uma nova cédula de 5 milhões de zaires (a moeda do país) que o Banco Central queria colocar em circulação.
Com a troca do primeiro-ministro, apareceu o novo zaire (NZ), valendo 3 milhões de zaires antigos (AZ). O dólar norte-americano passou a ser trocado por três NZ. A imediata rejeição do NZ pelos comerciantes da capital foi uma das razões dos saques cometidos em 1993 pelos militares, cujo soldo, pago em NZ, não tinha nenhum valor.
Depois, porém, o novo zaire passou a ser aceito no país inteiro, menos na Província de Kasai, zona de produção de diamantes e reduto de Etienne Tshisekedi.
A desordem chegou ao ápice com a concessão de autorizações de impressão de papel-moeda a comerciantes privados, que passaram a importar cédulas para trocá-las às pressas por dólares.
Em 1993 a inflação chegou a 9.600%. O povo batizou as novas cédulas de "pisca-piscas esquerdas", porque assim que os caminhões carregados de cédulas saíam do aeroporto de Kinshasa, viravam à esquerda para descarregar diretamente no "banco flutuante" de Mobutu, ou seja, o iate do marechal.
Em dezembro de 1996 o premiê Kengo wa Dondo, que, um ano antes, havia conseguido reduzir a inflação a 400% ao ano, tentou fazer a população aceitar novas cédulas de valor mais alto, portanto inflacionárias. Mobilizados mais uma vez pela oposição, os comerciantes da capital rejeitaram as notas, que passaram a ser conhecidas como "próstatas", referência à doença do chefe de Estado.
Na Província de Shaba, a mineradora de cobre parestatal Gécamines passou a pagar salários com cédulas novas, provocando uma queda local do NZ, que passou a valer a metade do que vale em Kinshasa.
Hoje, um dólar vale 400 mil "NZ próstatas" em Shaba e 170 mil "NZ não-próstatas" em Kinshasa. Para unificar as zonas monetárias, os rebeldes vão tentar fixar novas taxas de câmbio entre os NZ de Kivu, os de Shaba e os AZ usados em Kasai. De qualquer maneira, vão depender, pelo menos por algum tempo, de uma quarta "zona": a do dólar.

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