São Paulo, quinta-feira, 8 de maio de 1997
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Avaliação do ensino médico

JÚLIO CÉSAR VOLTARELLI

Neste ano, reproduzir-se-á o acirrado debate acerca da avaliação terminal compulsória dos universitários -o provão-, o qual deverá, dessa vez, incluir os cursos de medicina.
Os argumentos contrários a este exame na comunidade médico-universitária foram bem resumidos pelo presidente do Conselho Federal de Medicina (CFM) em recente entrevista ao jornal do conselho. Defendeu a avaliação permanente e contínua, em contraste com a prova única de múltipla escolha e completou: "Como avaliar teoricamente a capacidade de execução de um ato cirúrgico, comportamento ético e grau de compromisso social de um profissional médico?". Neste diapasão, fazem coro os reitores, muitos professores e, naturalmente, os estudantes.
Se uma avaliação terminal externa é ineficaz e desnecessária, será que a sociedade está suficientemente protegida em relação à qualidade do médico formado, com a avaliação realizada pelas universidades? Infelizmente, mesmo nas melhores faculdades do país, a resposta é negativa.
Em primeiro lugar, porque os requisitos mínimos de aprovação exigidos universalmente (média 5,0 e 70% de frequência na USP, por exemplo) são inadequados para o curso médico. Seria prudente confiar uma vida humana a um médico que tivesse sistematicamente faltado em 30% das suas aulas e demonstrado apenas conhecer 50% do conteúdo, ter 50% de habilidades e 50% dos padrões éticos exigidos para a formação médica básica? Confiar-se-ia em um profissional que tivesse nota 9,0 na prova teórica final e 1,0 na prova prática -ou vice-versa- (média 5,0, aprovado)?
Se a avaliação dos conhecimentos teóricos já é problemática e insuficiente em muitos cursos, a aferição eficiente de habilidades práticas e dos componentes éticos e afetivos da relação médico-paciente é tão mais complexa e trabalhosa que é simplesmente ignorada na imensa maioria dos cursos médicos brasileiros. Vários países do Primeiro Mundo têm desenvolvido sistemas objetivos de avaliação das competências psicomotoras e afetivas do estudante de medicina e alguns deles, como o Canadá e EUA, estão incorporando estes sistemas no exame obrigatório para se obter a licença profissional.
Na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, há 3 anos introduzimos um destes sistemas, o Exame Clínico Objetivo Estruturado, na avaliação de competências clínicas iniciais (vide Rev. Bras. Educ. Med. Maio/Dez 96, págs. 45 a 59). Neste ano, outro destes métodos, o Estudo de Casos Longos, está sendo aplicado a estudantes mais avançados, no internato. Ao contrário da "avaliação permanente e contínua", altamente subjetiva e dependente da empatia professor-aluno, estes sistemas comparam o desempenho prático e afetivo dos alunos em situações clínicas padronizadas, oferecendo importantes informações sobre a competência dos estudantes e a qualidade do curso.
A qualidade da avaliação de desempenho está estreitamente ligada à do ensino ministrado, existindo, em um grande número de cursos, um pacto silencioso: "finge-se que se ensina e que se avalia, todos são aprovados e vai se aprender mesmo na residência médica".
Retomando a argumentação do presidente do CFM, quantas escolas médicas brasileiras treinam todos os seus estudantes na realização de atos cirúrgicos básicos, na obediência a princípios éticos e na exibição de compromisso social? Quantas delas avaliam adequadamente a aquisição dessas competências e comportamentos? Quem vive no meio acadêmico sabe que a resposta a estas questões, se obtida de um modo científico, deixaria a sociedade preocupada quanto à qualidade dos cerca de 8.000 médicos formados anualmente no país, a maioria dos quais não tem acesso à residência médica.

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