São Paulo, quinta-feira, 8 de maio de 1997
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Unidade não foi mantida

HÉLIO SCHWARTSMAN
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

A situação do Zaire, prestes a ser dominado por um grupo de etnia tutsi, dá a medida da confusão provocada pela colonização européia e pela política imposta pela Guerra Fria à África.
Os tutsis jamais tiveram uma presença significativa no Zaire. Essa região quase sempre foi dominada por povos bantos como mongos, kongos, lubas, lundas, bembas e kasais.
A situação só se explica pela manutenção, com apoio dos EUA, do ditador Mobutu Sese Seko (no poder desde 65) à frente de um Estado artificial e também pela situação dos vizinhos Ruanda e Burundi.
Os dois últimos países eram originalmente ocupados pelos pigmeus twas. Depois, chegaram os hutus, povo banto que subjugou os twas.
Lá pelos séculos 14 ou 15 vieram os tutsis, de origem nilótica, que, por deter tecnologia bélica superior, dominaram os hutus, impondo-lhes sistema de vassalagem semelhante ao da Europa feudal. Em que pese a relação de dominação, a convivência era pacífica.
Vieram então no século 19 os europeus. Região afastada, a África Central foi o quinhão das potências coloniais tardias, como Alemanha e Bélgica.
O atual Zaire era administrado pelos belgas. Ruanda e Burundi ficaram nas mãos dos alemães até meados da Primeira Guerra, quando passaram, sob a égide da Liga das Nações, para os belgas.
O irônico é que o rei Leopoldo 2º, iniciador da colonização, via em sua investida uma missão humanitária. Pretendia eliminar o tráfico de escravos e controlar as bebidas alcoólicas.
A principal atividade econômica nessa área era a extração da borracha a partir da árvore chokwe. Como esse tipo de comércio era menos lucrativo que o da escravidão e do marfim nas regiões vizinhas, as empresas arrendatárias da coroa belga impuseram um regime de trabalho aos nativos que só diferia da escravidão no nome.
Os belgas se aproveitaram do sistema de dominação tutsi para administrar, mas facultaram ensino básico a todas as etnias, o que serviu para que os hutus começassem a insurgir-se contra a dominação tutsi. Diferentemente de outras potências, a Bélgica não se preocupou com quem controlaria a região quando a abandonou nos anos 60. Explodiram confrontos tribais que, no Zaire, só acabaram com a subida de Mobutu.
Os conflitos entre tutsis e hutus em Ruanda e Burundi no início dos 90 levaram milhares de refugiados hutus ao Zaire. Os tutsis foram em seu encalço. Mobutu, sem apoio dos EUA, não foi capaz de manter a artificial unidade do país.
É difícil prever o futuro do chamado continente esquecido; mas é certo que, com o fim da Guerra Fria, essa parte do globo fica mais esquecida.

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