São Paulo, quinta-feira, 8 de maio de 1997
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Uma nobre causa

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - Ao contrário de Guimarães Rosa, não acho que viver seja muito perigoso. A idade média da humanidade está aumentando, já foi de 32 anos, hoje está por volta dos 66, em alguns países já chega aos 72. Mais um pouco, a façanha de Barbosa Lima Sobrinho de chegar aos 100 será banal.
Se não é perigoso, viver está ficando cada vez mais complicado. Ontem, no gozo dos meus sossegos, tratando dos meus problemas que já estão em volume e qualidade bem razoáveis, fui procurado por duas jovens que me trouxeram uma complicação inesperada e, segundo o ponto delas, dramática.
Trata-se da ameaça de extinção que paira sobre as tartarugas. Vivi todo esse tempo, e viveria muito mais, sem nunca ter pensado em tartarugas. Não que eu tenha alguma coisa específica contra elas, embora também nada tenha a favor.
Não as aprecio, tenho até mesmo uma certa repugnância pela sua cabeça, que lembra a de uma cobra. São lentas demais para o meu gosto e seu casco não me impressiona nem pela sua beleza nem pela sua utilidade. Meu avô se orgulhava de uns óculos feitos com tão nobre material. Os meus, quando os uso para ler, são de material mais vulgar.
Pois as jovens me garantiram que eu devia adquirir uma consciência a respeito, estão acabando com a raça das tartarugas na Polinésia, no Japão, na Austrália. Em breve, só restarão as nossas tartarugas, eis que precisamos lutar pela sobrevivência delas.
Confessei que nada saberia fazer por causa tão relevante. Elas me prometeram imediato fornecimento de literatura atualizada, estatísticas, projeções, o diabo. Para começar a minha conscientização, fizeram-me assinar um manifesto e me cobraram R$ 30 por um CD Rom que me exigirá um tempo que nunca pretendia dar ao assunto.
Depois que as moças foram embora, lembrei que as tartarugas costumam viver bem mais do que eu, perto de 300 anos -o que mais uma vez desmente Guimarães Rosa.

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