São Paulo, segunda-feira, 12 de maio de 1997
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Símbolo da Unicef volta a viver na rua

N.C. teve pintura eleita por órgão; hoje usa crack

LUCIANA SCHNEIDER
DA REPORTAGEM LOCAL

O menino de rua N.C., 15, que teve uma de suas pinturas adotada como símbolo da Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) no mundo inteiro no ano passado, voltou a viver nas ruas de Santos (litoral sul de SP).
Ele diz que deixou de frequentar o abrigo para menores porque "tudo mudou". "Não posso mais sair do abrigo e tenho de ficar o tempo todo rezando."
A atual gestão adotou o sistema de manter os menores dentro do abrigo para poder aplicar um tratamento eficaz antidrogas, segundo a atual secretária de Ação Comunitária, Anamara Simões Martins (PPB).
A gestão anterior, de Antonio Lancetti (PT), permitia a entrada e saída dos menores do local.
A cola, que tinha deixado de fazer parte da vida de N.C., quando ele frequentava os abrigos e as oficinas de arte e esporte, deu espaço ao crack hoje.
Atualmente, o dia-a-dia de N.C. se resume a pedir dinheiro e fumar a droga. Ele dorme por volta das 2h na calçada em frente à porta de um banco e só acorda às 10h, quando o banco abre as portas para os clientes.
"Quando me sinto sujo vou tomar banho no mar. Depois vou pedir dinheiro para comprar leite e bolacha. Também fumo (se referindo ao crack)."
Segundo o garoto, o que realmente fez sua vida retroceder é a falta que sente de pintar, a arte que o fez famoso no ano passado.
Seu dia fama aconteceu quando uma representante do Unicef em Nova York, que visitava uma exposição de telas feitas por meninos de rua de Santos, ficou encantada com a expressão do desenho de N.C. e resolveu adotá-lo como símbolo de todas as publicações do órgão.
"Eu era feliz quando pintava. Sinto muita falta dos professores", conta N.C.
As aulas de pintura eram dadas em oficinas criadas especialmente para os menores em uma escola experimental. Hoje, essas oficinas não funcionam mais.
Para poder participar das aulas de pintura, N.C. tinha de ir à escola, onde cursou até a 2ª série do 1º grau. Hoje, ele só lembra de como se escreve o seu nome.
Nascido no Guarujá (87 km a sudoeste de SP), N.C. é de família pobre e tem três irmãos.
Segundo o garoto, ele saiu de casa porque era obrigado a trocar as fraldas de sua irmã mais nova e também porque nas ruas possuía mais liberdade.
Na época em que pintava, N.C. se arrumava com prazer para visitar sua mãe no serviço. Mas já faz dois meses que ele não a vê. "Tenho muita vergonha que ela me veja assim. Meu maior sonho ainda é voltar a viver com ela, só que em Santos."

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