São Paulo, segunda-feira, 12 de maio de 1997
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Dornelles descarta barganha na Alca

DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O Mercosul entra na rodada de negociações da Alca (Área de Livre Comércio das Américas), nesta semana, preparado para não aceitar que os Estados Unidos usem a eliminação de suas barreiras comerciais como moeda de barganha.
A troca ocorreria se os países do bloco aceitassem a redução de tarifas de importação antes de 2005 -tese repudiada pelo Mercosul.
Essa posição foi apresentada à Folha pelo ministro Francisco Dornelles (Indústria, Comércio e Turismo), um dos principais negociadores do lado do Mercosul.
Seguem os principais pontos da entrevista.
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Folha - O Mercosul pode realmente se apresentar como bloco coeso nas negociações da Alca?
Dornelles - O Mercosul chega sem nenhum problema à negociação da Alca. A última reunião entre os presidentes do Brasil e da Argentina eliminou os problemas, também tivemos entendimento com o Uruguai.
Mantemos os cinco pontos da proposta do Mercosul. As decisões da Alca terão que ser tomadas por consenso, as decisões serão postas em prática só depois que todos os pontos estejam fechados, não haverá qualquer redução de tarifas antes de 2005, os blocos sub-regionais serão mantidos e não haverá agressão às normas da OMC (Organização Mundial do Comércio).
Folha - As barreiras comerciais impostas pelos EUA vão ser usadas como moeda de barganha nas negociações da Alca?
Dornelles - Não. Todas as barreiras colocadas às exportações brasileiras têm que obedecer às regras da OMC. Nós verificamos que os EUA (grande parceiro comercial e de investimento do Brasil) entram na Alca com uma verdadeira bateria de entraves às nossas exportações e não existe base legal na OMC para muitas delas.
Folha - O Brasil só pediu consultas formais sobre uma barreira imposta pelos EUA quando existem mais de 60. Por que até agora o país não apelou à OMC?
Dornelles - Nós estávamos com esperança grande de que os EUA levantassem suas restrições aos produtos siderúrgicos e suas cotas para importação de tabaco e açúcar. Nosso interesse é manter o maior diálogo possível.
Folha - Mas, até esse momento, o governo norte-americano não tomou nenhuma iniciativa.
Dornelles - Nós fomos aos EUA há dois meses e esses problemas foram colocados. Nós temos que dar um prazo para depois julgar. Preferimos que o assunto seja resolvido sem recorrer à OMC.
Folha - Existe coesão dentro do Mercosul de que só vai ser negociada a redução de tarifas depois que forem eliminadas as atuais barreiras ao comércio?
Dornelles - Acho que os EUA teriam que levantar essas barreiras o mais rápido possível. Não podemos ficar discutindo as normas de liberalização do comércio enquanto eles mantêm as barreiras.
O que não pode é ligar uma coisa à outra. Nenhum país pode dizer que, enquanto não avançarem as discussões da Alca nessa direção, ele vai manter as barreiras.
Folha - Mas esse é o espírito da negociação. Eu cedo nesse ponto e você me oferece aquele outro.
Dornelles - No momento atual, há barreiras às exportações brasileiras que não têm base na legislação da OMC. Então, simplesmente não tenho que barganhar nada para eles retirarem as barreiras.
Folha - Então, o Mercosul pode negociar na Alca sem estarem resolvidos esses problemas?
Dornelles - Eu acho que a discussão de acesso a mercados com a eliminação dessas barreiras é extremamente importante. Queremos o direito de impugná-las.
Folha - O Mercosul conta com algumas alternativas à Alca. Há um acordo de livre comércio em andamento com a União Européia e a idéia da formação da Alcsa (Área de Livre Comércio da América do Sul). Existe possibilidade de o Mercosul priorizar essas opções?
Dornelles - Nós fizemos uma zona de livre comércio com a Bolívia e com o Chile e estamos conversando com os países do Pacto Andino. Uma zona de livre comércio dentro da América Latina seria um pacto mais rápido, mas que não inviabilizaria a Alca.
Queremos manter na Alca os blocos regionais. A Alca não vai tocar de forma alguma no Mercosul, que é intocável. Há condições de trabalhar de forma mais fácil uma zona de livre comércio com os países da América que fazer uma que envolva os EUA.
Agora, temos que começar a negociação da Alca. Negociação, a gente começa, mas somente conclui se for bom para todas as partes. Você não é obrigado a concluir uma negociação. Eu acho importante que pudéssemos concluir um acordo.
Folha - Isso quer dizer que, se houver risco de prejuízo, o Mercosul pode parar as negociações?
Dornelles - Não precisa parar. A negociação vai começar, mas sem data para acabar. Tudo vai depender dos interesses do país. Podemos chegar ou não ao acordo. Gostaria que chegasse. Mas é preciso dizer que não vai ser feito um novo esforço de redução tarifária antes de 2005. Também não vai dizer que será feito em 2006.
Folha - O Mercosul poderia abrir mão de sua proposta e aderir à canadense, com algumas ressalvas?
Dornelles - A nossa proposta vai ser preservada. O problema agora é a velocidade da abertura. Eles têm que nos compreender ou então nos convencer. Perante a lógica, eu me ajoelho. Mas tem que mostrar a lógica.

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