São Paulo, segunda-feira, 12 de maio de 1997
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O reino do diabo

JOSIAS DE SOUZA

São Paulo - Todo santo traz um capeta enterrado dentro de si. Nesta matéria, aliás, a razão está com Mario Quintana, "herege de todas as religiões".
O poeta deitou sobre o papel a seguinte dúvida: "Mas quem sabe se o diabo não será o mister Hyde de Deus?" Sim, sim. Quem sabe?
De certo modo, uma passagem da bíblia reforça as suspeitas de Quintana. Refiro-me ao episódio da expulsão dos vendilhões do templo.
A pretexto de defender a casa de Deus, Jesus pôs para correr os que dela se serviam como praça de comércio. Chicote em punho, estava como que tomado por um espírito maligno.
Mas por que diabos invocamos o nome de Deus? Que estranhas razões nos fazem enxergar malignidade onde a fé não vê senão virtude?
Está-se apenas tentando demonstrar quão difícil é separar o bem do mal. Se Deus e seu filho não estão à salvo da desconfiança, quem estará? Ninguém, ninguém.
Vejam, por exemplo, o caso do pataxó Galdino, queimado vivo pelos garatos de Brasília. Descobre-se agora que o índio convivia com a suspeita de ter, ele próprio, ateado fogo a um sobrinho em 93.
No campo da política, a dificuldade de distinguir o médico do monstro é a mesma. FHC esforça-se para demonstrar que não há bem-aventurança além das fronteiras de seu reino. Comporta-se como um deus, portador da verdade suprema, único capaz de conduzir a nação à excelsa glória.
Auxiliado por discípulos como Sérgio Motta, o presidente investe contra o Congresso, berço de toda a vilania. Esquece-se de que, em suas recaídas de monstro, alimentou a sem-vergonhice e a fisiologia, remunerando-as regiamente. Difícil cortar a cenoura de coelhos já tão habituados à boa vida.
Bons tempos aqueles em que podíamos dividir o mundo segundo critérios ideológicos, dogmáticos. Hoje, o diabo não está mais à esquerda nem à direita. Ele está em toda a parte.

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