São Paulo, quinta-feira, 15 de maio de 1997
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Renda semanal de R$ 40 de manicure mantém emissora

PATRICIA ZORZAN; XICO SÁ
ENVIADOS ESPECIAIS AO ACRE

O Ministério das Comunicações concedeu um canal de TV a um motorista de táxi que é sustentado pelo salário de manicure da mulher e se desloca até a sede da emissora de bicicleta. Pais de dois filhos, Valcy de Souza Campos e Nilza Maria Freitas sobrevivem e custeiam a TV Quinari com cerca de R$ 40 semanais. Mesmo assim afirma que é o único proprietário do canal 40 de Senador Guiomard (a 24 km de Rio Branco.
"A TV é só minha. Até pedi a ajuda de alguns políticos para poder instalá-la, mas, como em troca eles exigiam parceria no negócio, fiz tudo sozinho", disse Campos.
O taxista admite, entretanto, ter pedido ajuda ao deputado envolvido no escândalo. "Ele não pode estar fazendo isso comigo porque ficou com raiva por não ter virado meu sócio. Eu nunca dizia logo de cara que não queria. Dizia que queria pensar no assunto."
Apesar de ter feito o pedido, Campos afirma que não conseguiu receber qualquer ajuda no pedido de concessão e na instalação da TV Quinari.
"Vendi tudo o que eu tinha -telefone, um terreno, uma casa, meu carro- para colocar na TV. Foi duro, sobrevivi com dificuldade, mas eu queria um televisão independente", disse.
Desde que vendeu seu carro, o taxista -casado e pai de dois filhos- "sustenta" a família e custeia seu canal de TV com R$ 40 por semana, que vêm do salário de manicure da mulher.
"Tenho ainda algumas economias", afirma. Como os recursos são poucos, ele é obrigado a fazer empréstimos junto a amigos. "Devo muito dinheiro, mas vou pagar. Pedi para colegas meus, nunca para políticos." Pelos cálculos do taxista -que não quis revelar o valor de suas dívidas-, ele já gastou R$ 20 mil em seu projeto.
"Não gostamos muito de política, por isso não nos envolvemos nessas coisas. Até votamos nulo. Somos crentes e nosso candidato é Deus", declarou a mulher de Campos, Nilza.
Contrariando a versão do taxista e de sua mulher, Reinaldo Pereira da Silva -dono do restaurante onde Campos, Nilza e Santiago se conheceram- conta que os proprietários oficiais da TV Quinari trabalharam como cabos eleitorais de Santiago durante sua campanha para deputado federal.
"Eu apresentei os dois para o Ronivon. Eu mesmo trabalhava para ele, só que não quero mais. Quero ajudar gente séria."
Silva se considera um dos bons amigos de Campos. "A gente se dá muito bem. Ele me pede dinheiro emprestado, come fiado no meu restaurante e me paga só quando pode."
Ele afirma que já presenciou um pedido de ajuda de Campos ao deputado. "O Valcy pediu e ele (Santiago) disse que ajudaria assim que pudesse", afirmou.
"Se tivesse político envolvido no meio desse negócio, não teria nem conseguido nada. Quero um dia poder encontrar o ministro Sérgio Motta e poder apertar a mão dele, agradecer por ter me dado a TV."
Segundo Campos, isso prova que pessoas comuns como ele também podem ter um veículo de comunicação.
"Quero ampliar minha TV até Rio Branco e crescer muito. Se quisessem me dar R$ 1 milhão por ela, não aceitaria. É o futuro dos meus filhos. O que esses caras têm é inveja", diz ele, referindo-se à acusação de Santiago.
O taxista prometeu telefonar para o deputado e pedir explicações. "Nunca falei com o gabinete dele, mas vou descobrir o telefone."

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