São Paulo, sexta-feira, 16 de maio de 1997
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Eliane Caffé acha que realidade local confirma tema do filme

CARLOS HENRIQUE SANTIAGO
DA AGÊNCIA FOLHA, EM ITIRA

Diretora de dois curtas e um média-metragem, premiados no Brasil e no exterior, a cineasta paulista Eliane Caffé planeja há sete anos sua estréia na direção de um longa-metragem, "Kenoma".
No entanto, o que deveria ser uma adaptação de um conto do escritor argentino Jorge Luis Borges acabou virando, segundo Caffé, uma metáfora do desejo de construir um sistema perfeito.
Durante as filmagens no Vale do Jequitinhonha, a cineasta aproveita a realidade local para aprimorar o roteiro, escrito com o dramaturgo Luiz Alberto de Abreu, e colher idéias para novos filmes. Leia a seguir trechos de entrevista com a diretora.
(CHS)
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Agência Folha - Como surgiu a idéia de fazer o filme sobre a máquina do movimento perpétuo?
Eliane Caffé - Eu queria fazer uma adaptação do conto "As Ruínas Circulares", de Jorge Luis Borges, sobre um homem que quer criar um homem sonhando, com o objetivo de torná-lo realidade, mas, no final, descobre que ele próprio é um sonho. Quando comecei a fazer a pesquisa, a máquina do movimento perpétuo passou a ser tão mais expressiva, que acabou o interesse pelo conto do Borges. Eu via a máquina como uma metáfora do anseio do homem moderno ocidental de encontrar o sistema perfeito.
Agência Folha - Por que a sra. escolheu Itira?
Caffé - Escolhi o Vale do Jequitinhonha porque queria um lugar que fosse semi-árido. Se eu fosse mais para o norte, teria mais dificuldades de produção.
Agência Folha - A sra. aproveita os aspectos locais no filme?
Caffé - Todos os elementos da realidade do local vão aparecer. Todos os habitantes de 'Kenoma' são daqui, com exceção de seis atores. O modo como essas pessoas falam vai estar no filme.
Agência Folha - A idéia do movimento perpétuo ainda está viva em pleno século 20?
Caffé - Isso é muito curioso, porque foi uma coincidência encontrar um 'perpetuísta' aqui (o aposentado Turíbio Ferreira Coelho). Colhi também depoimentos sobre pessoas em outras partes do Brasil. São homens que estão à margem da ciência oficial e têm um perfil muito próximo do artesão medieval. A idéia de se construir uma máquina dessas só é verossímil em um local carente.
Agência Folha - A sra. pensa em fazer outro filme sobre o que viu aqui no Vale do Jequitinhonha?
Caffé - Quando você se aventura para fazer um filme e sai do seu contexto, entra em contato com outra realidade. Abre seus poros para assimilar coisas que não tem como assimilar diante de uma tela de TV. No final, além do filme, você leva outras coisas. É isso que dá continuidade para você entrar em outro processo criativo.
Agência Folha - Seria uma estética da fome, como disse Glauber Rocha?
Caffé - Não. É a força criativa do ser humano, não importa em que situação ele esteja. Tem, por exemplo, uma criança (Sidnei Vieira dos Santos, 12) que é cega e tem as pernas atrofiadas. Sua irmã é louca e fica presa em um quarto há cinco anos. Agora, essa criança tem um mundo que ela construiu sentada em um banquinho, até para suprir uma carência.

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