São Paulo, sexta-feira, 16 de maio de 1997
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Siga a receita de perfeição da confeiteira Mari Hirata

NINA HORTA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Já havia ouvido falar de Mari Hirata, que é nisei, nasceu no Brasil e mora na França. Acabei de conhecê-la no Boa Mesa, evento anual de gastronomia que aconteceu no fim do mês passado. É pequenina, ágil, intensa e dá aulas de confeitaria.
Começou os estudos em Paris, frequentou todos os cursos que pôde e, talvez por causa de sua ascendência, foi fazer um estágio no Japão, na confeitaria Toraya, responsável pelos doces da família imperial.
Lá, descobriu a importância da cerimônia do chá e suas sutilezas. O professor pedia que ela olhasse para fora da sala e contasse o que via. "Bem na minha frente tem um caquizeiro carregado de frutas verdes." Ao que o professor respondia: "Então vamos fazer doces no formato de caquis, levemente rosados, para o chá de hoje. Há que se estar sempre um passo à frente da natureza".
A cozinha no Japão é misturada à tradição, à religião e à estética. É claro que a cada dia é preciso lutar para manter pelo menos um pouco desta perspectiva.
Tanto lá quanto no resto do mundo é mais fácil fazer um pacotinho de macarrão de três minutos do que cismar sobre flores de cerejeira.
Mari Hirata é dessas pessoas que se importa, que trabalha para que a comida seja boa e honesta. Dá aulas de confeitaria para os franceses, o que me parece interessante.
Agora, onde terá aprendido toda a expressão corporal que usa nas aulas? Isso é que não sei.
Tem mãos de dedos compridos, de artista, e ao fazer um bolo "representa" os movimentos da farinha, do açúcar, se é que me entendem. Levanta os braços com as claras batidas, derrete-se com o açúcar, cresce com o cremor tártaro, liquefaz-se com a água que mistura às gemas. Bate o bolo junto com as alunas em movimentos sincopados de Olodum.
Os auxiliares são a balança eletrônica, o termômetro, o medidor de p.h., o forno elétrico na temperatura exata. Nada de intuição na confeitaria. Ela é química, matemática, a medida perfeita. Pode até ser, mas o corpo e a expressão de Mari desmentem a hipótese.
Pão-de-ló Ela começa a aula do Boa Mesa 97 com o que há de mais fácil, que sabemos é o mais difícil. "Vamos fazer um pão-de-ló, ou génoise ou pan di Spagna". Abre os braços como maestra do bolo. "É preciso entender a génoise."
Essa é a palavra chave. Entender. E ela compreende os ingredientes. Com a repetição perfeccionista das bases da confeitaria sabe o porquê de cada transformação, o significado do brilho maior ou menor das gemas e das claras, da leveza do açúcar.
Usando os mesmos ingredientes do pão-de-ló fez, um biscoito de colher que é o biscoito champanhe velho de guerra, mas delicadíssimo, para ser comido ao natural ou como base para charlottes, musses e patês. Na aula vai usá-los para um leve tiramis—.

Esta é a receita de Mari Hirata para os biscoitos de colher:
Misturar três gemas a 75 gramas de açúcar até que desapareçam os grânulos. Bater à mão. Só depois de se entender as misturas é que se pode usar a máquina.
Separar. Mexer três claras. Vão se soltar e formar uma espuminha. Já bastante liquefeitas, injetar nelas um pouco de ar com uma pitada de cremor tártaro, agora batendo com mais velocidade.
As claras começam a crescer. Misturar 75 gramas de açúcar em três vezes. A consistência final será brilhante com aspecto de creme de barbear.
Voltar às gemas. Misturá-las a uma colher de água fria para que se diluam e recebam melhor os outros ingredientes. Juntar a elas 1/3 das claras batidas, 75 gramas de farinha de trigo e o restante das claras.
Bater sempre com movimento igual, ritmado, para que o todo se aglutine e brilhe. Colocar a massa em pequeno saco de confeitar e apertar os biscoitos sobre papel manteiga em assadeira rasa.
Polvilhar com açúcar de confeiteiro para dar uma aparência mais atraente e manter o formato. Levar ao forno moderado forte, a 200°C, por oito a dez minutos. É o verdadeiro "biscuit a la cuillère". Seco do lado de fora e úmido por dentro. E estão prontos os biscoitos perfeitos para o tiramis—.
Mari Hirata junta as duas mãos em prece na altura do peito, faz uma reverência sorridente e nos deixa, além de suas receitas, a idéia firme de que é preciso lutar pela perfeição. Até na cozinha.

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