São Paulo, sexta-feira, 16 de maio de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Brigham Young, o polígamo

DO "EL PAÍS SEMANAL"

Esta entrevista com o líder mórmon Brigham Young, que constitui o primeiro exemplo do gênero, foi realizada em Salt Lake City, Utah. Foi feita por Horace Greeley (1811-1872), um dos jornalistas americanos mais influentes do século 19, para o "New York Tribune", em agosto de 1859.
Greeley iniciou sua carreira como impressor e, em 1841, lançou um jornal -o "New York Tribune"-, do qual seria editor até praticamente a sua morte.
Brigham Young (1801-1877) nasceu em Vermont e converteu-se ao mormonismo quando já tinha 30 anos. Em 1844, sucedeu a Joseph Smith, fundador da seita, e, em 1847, dirigiu os mórmons de Illinois -de onde tinham sido expulsos- até Utah.
Nessa região, fundaram Salt Lake City e declararam-no um Estado livre e independente, mas o Congresso dos Estados Unidos criou o Território de Utah e nomeou Young governador.
Ele passou a ser um soberano absoluto, e foi necessário a presença 3.000 soldados para permitir o acesso ao governo de funcionários não pertencentes à seita.
Disse ser o sucessor profético de Joseph Smith e, embora ele fosse contrário à poligamia, Young convenceu seus discípulos de que tinha recebido uma revelação em que Smith concordava com essa prática.
Depois do massacre de Mountain Meadows, em que 130 imigrantes foram mortos pelos mórmons, o governo dos EUA, com o apoio do Exército, impôs um novo governador com a intenção de restringir a prática da poligamia.
No entanto, Young continuou a ser uma personalidade de grande influência em Utah e acumulou uma fortuna de aproximadamente US$ 2,5 milhões, que deixou para suas 17 mulheres e 56 filhos.
É interessante destacar que o entrevistado mente em diversas oportunidades. Fornece números menores tanto no que se refere à quantidade de mulheres quanto à sua fortuna pessoal.
Também nega a existência dos danitas, sua ordem secreta de anjos destrutores, que praticavam a "expiação por meio do sangue".
*
Como combinado, meu amigo e congressista dr. Berhisel levou-me para conhecer Brigham Young, presidente da Igreja Mórmon.
Fomos cordialmente recebidos na porta pelo próprio presidente, que nos acompanhou até a sala de visitas do segundo andar da maior de suas casas (ele tem três).
Depois de alguns comentários, expliquei que o motivo da entrevista era obter maiores informações sobre as doutrinas e a organização da Igreja Mórmon. Nossa conversa foi a seguinte:
Pergunta - Devo considerar o mormonismo como uma nova religião ou como um novo ramo do cristianismo?
Brigham Young - Nós acreditamos que não pode existir uma igreja autenticamente cristã sem que haja um sacerdócio que emane diretamente do filho de Deus e em comunicação imediata com ele. A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias -chamada de mormônica pelos seus inimigos- segue esse princípio.
Pergunta - Vamos falar de uma questão muito grave que confronta sua doutrina com as do mundo cristão: a pluralidade de mulheres. Esse sistema é aceitável para a maior parte de suas mulheres?
Young - Duvido que elas sintam mais aversão do que eu mesmo senti quando essa prática foi revelada como uma ordem divina. Em geral, elas a aceitam da mesma forma que eu, como sendo a vontade de Deus.
Pergunta - Até que ponto a poligamia é uma prática comum entre seus seguidores?
Young - Não saberia lhe dizer. Alguns dos chefes da igreja têm apenas uma mulher, outros têm mais. Cada um decide individualmente qual é o seu dever.
Pergunta - Qual é o maior número de mulheres pertencentes a um homem?
Young - Eu tenho 15. Não conheço ninguém que tenha mais do que eu. Algumas das minhas mulheres são pessoas de idade, as quais considero como mães.
Pergunta - O apóstolo Paulo não afirma que um bispo deveria ser "homem de uma mulher"?
Young - Nós somos da mesma opinião, mas o apóstolo não proíbe o bispo de ter mais de uma mulher.
Pergunta - Cristo não disse que o homem que repudia uma mulher ou que casa com uma que outro homem tenha repudiado comete adultério?
Young - Sim, e eu acredito que nenhum homem deveria repudiar uma mulher, a não ser em caso de adultério. Não é uma prática aprovada pela nossa igreja.
Pergunta - Vocês acreditam no diabo, em um ser independente, consciente e espiritual cuja natureza e atos são essencialmente malignos e diabólicos?
Young - Sem dúvida.
Pergunta - Defendem a doutrina do castigo eterno?
Young - Sim, mas não como as outras igrejas. Acreditamos no que está escrito na "Bíblia".
Pergunta - Qual é a opinião da sua igreja sobre a escravidão?
Young - Acreditamos que é uma instituição divina e que não deve ser abolida até que a maldição que caiu sobre Ham seja perdoada.
Pergunta - Suas leis territoriais são a favor da escravidão?
Young - Essas leis foram publicadas... O sr. mesmo pode consultá-las. Se os escravos são trazidos aqui por aqueles que em outros Estados eram seus donos, não somos favoráveis a que abandonem seus proprietários.
Pergunta - Nesse caso, devo entender que, se Utah for admitido como membro da União Federal, será um Estado escravagista?
Young - Não, será um Estado livre. Aqui a escravidão seria inútil e pouco lucrativa. Eu mesmo contrato muitos trabalhadores e pago um salário justo, não poderia me permitir ser seu dono. Para mim, é melhor do que se tivesse que alimentar e vestir suas famílias.
Pergunta - Gostaria que o sr. me explicasse a organização e o governo da sua igreja. Parece que o sr. exige que cada um dos fiéis entregue a ela 10% de tudo o que consiga produzir ou ganhar.
Young - É uma exigência da nossa fé. Não há nenhuma obrigatoriedade em relação a essa cobrança. Os fiéis atuam segundo sua consciência.
Pergunta - Os bispos e demais autoridades da igreja não são pagas?
Young - Nem um centavo. Nenhum cargo eclesiástico recebe nenhum tipo de compensação por seus serviços. Frequentemente, os bispos são solicitados a doar dinheiro do próprio bolso para ajudar os pobres.
Pergunta - De que vivem seus ministros?
Young - Do trabalho das suas mãos, do suor do seu rosto, assim como os primeiros apóstolos. Cada um dos ministros tem seu próprio ofício. Eu sou a única pessoa que não tem uma ocupação regular. Dizem que eu sou rico e que tenho US$ 250 mil, mas nem um centavo desse dinheiro procede da igreja.
Pergunta - Poderia me explicar de uma forma racional o ódio que os mórmons despertam nas pessoas com as quais conviveram?
Young - A mesma que poderia ser dada para a crucificação de Cristo e para o tratamento similar recebido pelos ministros e santos do Senhor em todos os tempos.
Pergunta - O que o sr. tem a dizer sobre os danitas, ou anjos destruidores, pertencentes à sua igreja?
Young - O que o sr. tem a dizer? Não conheço essas pessoas nem essa organização. A única notícia que tenho deles são as calúnias dos nossos inimigos.

Tradução Maria Carbajal

Texto Anterior: Best Buy
Próximo Texto: Hughes vê a arte como um perpétuo recomeçar
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.