São Paulo, sexta-feira, 16 de maio de 1997
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O provão não provou nada

ORLANDO SILVA JUNIOR; ANDERSON MARQUES

O ministro que vive reafirmando ser o grande defensor da educação estrangula a universidade pública
ORLANDO SILVA JUNIOR e ANDERSON MARQUES
O provão fracassou no seu principal objetivo -estabelecer um ranking das universidades brasileiras, que o Ministério da Educação pretendia usar para credenciar ou descredenciar instituições e determinar a distribuição de verbas. Para o governo, esse limitado instrumento seria suficiente para decidir a estratégia para o ensino superior.
O sucesso do boicote convocado pela UNE salvou a universidade dessa aventura tucana. Dos 55 mil inscritos, mais de 13 mil entregaram a prova em branco ou nem sequer apareceram no dia 10 de novembro. Isso representa mais de 23%, índice que inviabiliza qualquer parâmetro de comparação entre as instituições de ensino superior.
Quem quebrou a cara mais uma vez foi o ministro Paulo Renato, que no dia do exame anunciou, em tom de vitória, que o boicote não atingiria 6% dos estudantes.
Desde que foi anunciado, o provão contou com resistência não só da UNE, mas de educadores, reitores e especialistas em avaliação. Preocupados com o futuro das universidades públicas, estranguladas, mas ainda responsáveis pela melhor graduação e por 90% da pesquisa produzida no país, e também com as instituições particulares, que precisam passar por séria fiscalização e avaliação, todos alertaram para a necessidade de uma avaliação global, de todos os aspectos da graduação -como corpo docente, laboratórios, bibliotecas-, da pesquisa e da extensão.
Mas o ministro, que parece sofrer do mesmo excesso de vaidade do seu chefe maior, insistiu. Começou então a corrida dos mercantilistas da educação.
Várias faculdades particulares fizeram "cursinho" para o provão. Algumas, como a FMU, em São Paulo, chegaram a aplicar simulados -e, absurdo maior, a prova contava como crédito curricular. Essa instituição obteve conceito B do MEC, apesar de a titulação dos professores estar abaixo da crítica (recebeu E).
Ninguém consegue entender o parâmetro usado para esse ranking falseado. Universidades como a Unicamp (da qual o ministro já foi reitor) e a UnB, com índice altíssimo de adesão ao boicote, mas consideradas "excelentes" em várias ocasiões pelos técnicos do MEC, ficaram com conceito E.
O resultado foi a desqualificação de instituições que não foram avaliadas e o reconhecimento de mérito daquelas que não o possuem. Como não dá para acreditar na inocência de um homem experiente como o ministro, chega-se à conclusão de que ele usou de má-fé na divulgação dos resultados, impedido mais uma vez pelo amor aos holofotes de admitir que o provão é furado.
A reação dos comprometidos com o ensino foi imediata. A UNE solicitou o cancelamento do próximo exame, marcado para 29 de junho. O ministro disse não. Os reitores, que souberam dos resultados pelo jornal, protestaram e pedem adiamento para setembro. Ainda não obtiveram resposta.
Os estudantes se preparam para, no mínimo, dobrar o boicote. A UNE já manifestou seu apoio à proposta do Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras (Crub), de implantação imediata do Sistema Nacional de Avaliação, já previsto no decreto 2.026/96, que parece engavetado pelo governo.
Em 21 de maio, estudantes das universidades federais paralisam as aulas em protesto contra o provão e o projeto de privatização das instituições públicas de ensino, em debate no Congresso.
O ministro tem se mostrado insensível. Repete, sem parar, que o provão foi um primeiro passo, importante, e que serve para avaliar a universidade. Talvez esteja se apoiando na máxima da propaganda nazista, de que uma mentira dita cem vezes se torna verdade.
Hoje, o governo que vive repetindo que é incorruptível aparece na primeira página desta Folha comprando votos descaradamente para continuar seu arremedo de reinado. O ministro que vive reafirmando ser o grande defensor da educação estrangula a universidade pública, premia instituições particulares com verbas, desrespeita a autonomia universitária, intervém nas eleições de dirigentes e desconsidera reitores e comunidade universitária. Muito cuidado, a mentira tem perna curta, até na Alemanha de Hitler.

Orlando Silva Junior, 25, é presidente da UNE (União Nacional dos Estudantes).
Anderson Marques, 24, é presidente da UEE-SP (União Estadual dos Estudantes -São Paulo).

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