São Paulo, domingo, 18 de maio de 1997
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A política do nada chegou ao seu limite de utilidade; Amazonão; Ricardo Barros; Ira desconexa

ELIO GASPARI

A política do nada chegou ao seu limite de utilidade
O presidente Fernando Henrique Cardoso tem sobre sua mesa duas duras decisões para tomar. Primeiro tem que decidir que preço paga para abafar a proposta de CPI da reeleição. Depois, tem que pensar no que vai fazer com Sérgio Motta.
No primeiro caso está numa situação triste. Nem o mais cruel adversário do professor Cardoso (um daqueles catedráticos policiais da Universidade de São Paulo) seria capaz de imaginá-lo, no Congresso, recusando-se a assinar um pedido de CPI para investigar semelhante "podridão".
No segundo, como previu num dos seus momentos de ceticismo fatalista, seu grande amigo Serjão transformou-se num fardo. Pior: pesa pelo que fez em seu benefício.
Grampo esquecido
Por temperamento, é provável que não decida, acreditando que a poeira haverá de assentar. Afinal, o que resta da poeira do grampo colocado em setembro de 1995 no telefone do embaixador Júlio César do Santos? O grampeado está em Roma. Francisco Graziano, o grampeador, está na Secretaria de Agricultura de São Paulo. Os policiais que fizeram o serviço estão bem, obrigado.
Pois é essa idéia de que não se fazendo nada tudo acaba em nada que está corroendo o governo de FFHH.
Ronivon Santiago e seus fantásticos diálogos são um produto da mágica do Planalto. O tucanato acredita que um fato, uma vez desaparecido do noticiário, desaparece da vida nacional. Aí estão a um só tempo seu erro e sua insensatez.
A base parlamentar que sustentou a aprovação da emenda da reeleição foi viciada e corrompida por dois atos do governo.
FFHH viciou-a quando consumiu dois anos de mandato repetindo que não tinha interesse pessoal na reeleição. Ainda em janeiro passado ele dizia: "É uma decisão do Congresso, que deve tomá-la responsavelmente". Duas semanas depois, quando viu que lhe faltavam os votos, mudou o tom: "É a rua que nos quer. Nós vamos marchar para decidir essa questão no corpo-a-corpo do Congresso, mas sobretudo nas ruas, com a força das ruas".
A maioria governista começou a ser corrompida quando o Planalto abafou a traficância dos extratos das contas de nove deputados do PPB guardadas nos computadores do Banco do Brasil. Patrocinada pelo Planalto (pelo ministro da frente política, Luiz Carlos Santos, ou pelo duque dos fundos públicos, Eduardo Jorge) a ilegalidade acabou em pizza, e o responsável pela operação no banco, promovido.
Ronivon Santiago, bem como outros deputados que não são lesos, perceberam o que estava acontecendo.
Terão percebido também que durante as duas primeiras semanas de janeiro o governo cantava vitória segura. Os cálculos para efeito externo davam conta de que já juntara 323 votos, 15 a mais que os 308 necessários. A conta verdadeira, para consumo interno, informava que o governo só tinha 290 deputados. Faltavam 18 para ganhar, 30 para ter certeza da vitória. Nessa época Ronivon dizia que votava contra.
Era blefe
Entre os dias 10 e 12 de janeiro, percebeu-se que o castelo estava rachado. Uma pesquisa homem-a-homem mostrou que só 200 deputados proclamavam-se favoráveis à reeleição. Logo depois, outra obtinha resultado semelhante: certos, só 198.
As pesquisas mostravam que, pela força da idéia, o governo morreria na praia. Tinha que ir buscar a diferença no balcão. Nessa hora, Amazonino Mendes chegou a Brasília. Informava que tinha consigo uma lista de 57 deputados e 18 senadores que podiam ser convertidos. Um deputado querendo vender seu voto não vale nada. Ele precisa descobrir alguém que o queira comprar.
No dia 17 de janeiro, o ministro Sérgio Motta computou 300 votos em sua planilha. Faltavam oito para ganhar, 20 para ter certeza. Na semana seguinte, o PFL, apoiado por Serjão, convenceu FFHH que valia a pena arriscar, votando a emenda no dia 29. FFHH jogou um ultimato sobre a mesa e deixou que a rua roncasse.
Ela nunca roncou, nem contra nem a favor. Roncaram empresários. Primeiro financiando uma campanha publicitária. Depois, dando uma palavrinha aos parlamentares que haviam financiado na eleição de 1994. Foi nesses dias que Ronivon recebeu um telefonema do governador do Acre. Orleir Cameli: "O Eládio vem aí e vai dar um cheque". Era o Eládio Cameli, irmão de Orleir, da empreiteira Marmud Cameli & cia. O cheque chegou no dia 23, com R$ 200 mil para cada convertido. (No dia 28 à tarde, antes da votação, os cheques seriam trocados por dinheiro vivo.) Além de Ronivon Santiago, o deputado João Maia também reconheceu ter embolsado R$ 200 mil.
Na véspera da votação, o aparelho de fax do Palácio do Planalto recebeu uma mensagem de Ronivon Santiago:
- Em consonância com a vontade maior de meus eleitores acreanos (...) venho de pronto reafirmar o meu insofismável apoio à votação da reeleição (do) insigne presidente.
Nesse dia noticiou-se que o governador Amazonino Mendes, hospedado na Academia de Tênis, em Brasília, tinha virado o voto de pelo menos 16 parlamentares. 'A tarde, acompanhado por Orleir Cameli, o conversor foi recebido por FFHH no Alvorada.
No dia seguinte, banqueiros almoçaram com FFHH e brindaram à sua sorte, empresários deram plantão nos salões da Câmara, o deputado Benito Gama disse que se estava fazendo um serviço de "profissionais", o governo conseguiu 340 votos e sua bancada cantou "Uh, tererê" no plenário.
Sem fundos
O presidente informou que "até mesmo aqueles que utilizam a máquina, verão nisso um ponto contrário e não um ponto positivo". Dois convertidos viram o desfecho de forma diversa.
Ronivon Santiago quitou suas dívidas: "Os meus cheques sem fundos tudinho. Eu tive que arrecadar esses cheques tudinho. Paguei, só de cheques aí deu 46 mil de cheques. Em Rio Branco tinha seis".
João Maia garantiu seu futuro: "Eu estou jogando muito em função da sobrevivência política, pessoal, familiar minha".
No fim-de-semana, FFHH foi para Petrópolis, descansar no palácio Rio Negro. Dormiu em colchão americano e agradeceu em francês ao "chef" Claude Troigros que lhe cozinhou uma codorna recheada à FH, com patê e molho de jabuticaba.
Achava que o pior havia passado. A oposição estava reclamando, mas a poeira haveria de assentar.

Amazonão
A cabeça do superintendente da Zona Franca de Manaus, Mauro Costa, ainda está descolada do pescoço. O governador Amazonino Mendes continua querendo demiti-lo e chegaram ao Planalto mais dois pedidos para que FFHH coloque no lugar Marlênio Ferreira. Ele é recomendado por diversos senadores e desqualificado por uma $indicância da Suframa.
No início deste mês, o senador Bernardo Cabral ofereceu uma solução salomônica ao ministro da Fazenda, Pedro Malan: degola-se Mauro Costa, o governo nomeia quem quiser e não se fala mais no assunto. Malan não endossou a proposta, mas a transmitiu ao ministro do Planejamento, Antonio Kandir. Afinal, como já disse o ministro Luiz Carlos Santos (o do balcão): "Vamos ter que atender o Amazonino". Iam assim as coisas quando Amazonino pisou no freio: Marlênio ou nada.
Dentro do governo, Mauro Costa teve um só aliado, o ministro Sérgio Motta, das Comunicações. Durante dois dias, ele serjou como pode, tanto dentro quanto fora do governo, expondo o absurdo da demissão.
(Esse movimento de Sérgio Motta, anterior às revelações da fita do deputado Ronivon Santiago, informa que ele não estava a fim de atender a principal reivindicação do Amazonino.)
É provável que Mauro Costa, um fiscal da Receita de 34 anos, seja substituído por outro técnico. Tem razão o ministro Kandir quando enuncia a seguinte pérola: "Existem várias manifestações de grupos interessados em indicar o superintendente".
Que grupos? Os sem-terra? Os bichos que ocuparam seu gabinete? Os grupos escolares? Kandir sabe quais são os interesses dos grupos interessados em indicar o superintendente.

Ricardo Barros
(37 anos, deputado federal pelo Paraná. Votou contra a reeleição.)
- No dia 28 de janeiro, quando a emenda da reeleição foi aprovada, o senhor virou bandido para a cúpula do PFL. Chegaram a pensar em expulsá-lo do partido. Agora, botaram para fora o deputado Ronivon Santiago, que levou R$ 200 mil para votar a favor. O bandido agora é ele. Como o senhor se sente?
- Quiseram me expulsar porque a direção tinha a meta de aprovar a emenda sem perder o voto de um só deputado. Agora estamos vendo como se chegou a essa semi-unanimidade. A cassação sumária dos deputados envolvidos no escândalo do Acre e do Amazonas é uma truculência, uma figuração. É óbvio que a tramitação legal dessas denúncias deve acabar em cassação, mas o rito sumário, a violência, não me parecem coisa de quem quer investigar a corrupção. Nós temos que chegar aos corruptores.
- E quem são os corruptores? Alguém tentou comprar o seu voto?
- Os corruptores estão a serviço dos beneficiários da reeleição: o presidente da República, os governadores e os prefeitos. Se o Planalto tivesse se empenhado na votação da reforma administrativa com a força que usou na reeleição, ela já teria sido aprovada há muito tempo. Gastaram dinheiro para fazer propaganda da reeleição e da venda da Vale do Rio Doce, mas não se interessam pelas verdadeiras reformas, como a administrativa. Interessaram-se mais na reeleição porque, como o próprio Sérgio Motta disse, está em jogo um projeto de poder para os próximos 20 anos. Meu voto ninguém tentou comprar, nem enganchar. Comigo não adianta jogar a Receita Federal, o INSS ou lista de cheques especiais do Banco do Brasil. Depois da votação, eu encontrei o Sérgio Motta numa festa e ele perguntou se eu poderia votar com o governo no segundo turno. Disse-lhe que não. Ele quis saber se o governador de Tocantins, Siqueira Campos, tinha me procurado. O Siqueira foi grande amigo do meu pai, há mais de 20 anos. É meu amigo e não me procurou. A direção do PFL tentou me intimidar, mas ninguém tentou me comprar.
- Como seria possível chegar aos corruptores?
- Basta fazer uma CPI mista, da Câmara e do Senado. O Congresso não pode ser humilhado pelo Planalto. O porta-voz do presidente já disse uma vez que o governo não estava disposto a comprar votos. Isso pressupunha que houvesse gente disposta a vendê-los. Agora que surgiram fortes denúncias indicando casos de venda, o que se deve fazer é investigar. Temos que saber quem comprou, e por que comprou. Isso só se consegue com uma CPI e, se o Congresso não a fizer, estará enfiando uma carapuça que não é sua. Só uma CPI tem instrumentos para puxar o fio da meada, como puxou no caso dos títulos públicos. Barrar a CPI é querer enganar os outros, sacrificando os bagrinhos para preservar o sistema, o tal esquema de poder de 20 anos ou a imensa pretensão de governadores afoitos.

Ira desconexa
O ministro Sérgio Motta perdeu o nexo. Ele sustenta que a Folha foi "tendenciosa", "fascista" e dez outros adjetivos mais porque publicou a seguinte manchete na sua edição de quarta-feira: "Nova fita liga Sérgio Motta à compra de votos para a reeleição".
Segundo o ministro, a manchete foi desonesta porque na transcrição das adoráveis memórias dos deputados Ronivon Santiago e João Maia "não tem nenhuma afirmação concreta, nenhuma denúncia, tratando-se de palavras no condicional, frases do tipo: 'sei lá', 'acho que sim', 'depende', 'parece"'.
Não é certo. O deputado João Maia mencionou-o sem condicionais no seguinte ponto:
- Aquele dinheiro era o dinheiro do Amazonino. Que o Amazonino mandou trazer, por ordem do... do... menino aqui, do Serjão.
Seriam R$ 200 mil que, segundo Maia, representavam a "cota federal" do negócio. Como o governador do Acre, Orleir Cameli, achou que esse pagamento liquidava a questão, Maia acredita que ficou sem a cota estadual. Nas suas palavras:
- Quer dizer, no fundo, a gente dançou em 200 paus aí nessa brincadeira.
Na mesma ocasião em que desqualificou o conteúdo das lembranças gravadas, o ministro informou que "a transcrição das conversas ocorridas revela fatos repulsivos e incluem conversações mentirosas e criminosas no que se refere a mim".
Resta saber como uma conversa sem "afirmação concreta" pode ser "mentirosa".
Uma CPI poderia esclarecer.

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