São Paulo, domingo, 18 de maio de 1997
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Uma nova proposta fiscal

CELSO PINTO

O governo está numa enrascada fiscal e não vai conseguir resolvê-la apenas com expedientes tradicionais. Uma solução inovadora, que poderia ter um impacto imediato muito significativo, equivalente a 1,8% do PIB ao ano, seria criar um fundo com ativos públicos que ficaria responsável por parte das despesas sociais hoje incluídas no orçamento fiscal.
A sugestão é do economista Raul Velloso e já foi bem recebida em sondagens na área econômica do governo. Ela será apresentada amanhã no Fórum Nacional, no Rio. Velloso, um dos maiores especialistas em setor público no Brasil, foi o inspirador, em 93, da criação do Fundo Social de Emergência, que abriu espaço fiscal para o lançamento do Plano Real.
Velloso vinha sendo mais otimista, na área fiscal, do que a média dos economistas. Uma projeção cuidadosa que fez até o ano 2003, no entanto, convenceu-o que a trajetória fiscal é de piora constante: a dívida líquida do setor público (o que deve menos o que tem a receber), que estava em 34,5% do PIB no final do ano passado, chegaria perto de 50% do PIB. Isso fatalmente acabaria minando a credibilidade do Plano Real.
Para preservar a tranquilidade, seria preciso estabilizar a relação da dívida líquida sobre o PIB nos níveis atuais. Isso exigiria que o setor público gerasse um superávit primário (receita menos despesas não-financeiras) entre 1,5% e 2% do PIB ao ano, até 2003. Apenas medidas tradicionais (prorrogar a CPMF, não reajustar o funcionalismo etc.) não seriam suficientes.
A razão, diz Velloso, é a forte rigidez nas despesas. Dissecando o orçamento executado em 95, dos R$ 106 bilhões gastos, 74% foram para a área social, sendo 55% para o que Velloso chama de "transferência a pessoas": previdência, inativos e pensionistas e seguro-desemprego. São direitos assegurados, incomprimíveis. Os 24% de gastos restantes são itens como investimentos, militares, Legislativo e Judiciário, ou já fortemente comprimidos, ou difíceis de reduzir.
Como é impossível cortar despesas que são direitos adquiridos, a única solução, propõe Velloso, seria retirá-las do orçamento tradicional e financiá-las de uma forma não tradicional. Aí entra a idéia da criação do Fundo de Reforma do Estado (FRE).
Velloso propõe tirar as despesas com inativos e pensionistas do setor público do orçamento fiscal. Antes disso, uma reforma asseguraria que os aposentados do setor público, daqui para frente, teriam que contribuir para sua aposentadoria, estancando os rombos crescentes.
Os que estavam no sistema anterior, contudo, manteriam seus direitos. Esta conta do passado, que Velloso estima, precariamente, em R$ 140 bilhões, se arrastaria por 35 anos. Sua proposta é que o FRE passasse a pagar esta conta, tendo como lastro, como garantia, ativos públicos equivalentes: desde ações de estatais privatizáveis a imóveis, concessões, depósitos judiciais a receber, etc.). Velloso não tem dúvida que o Estado tem ativos suficientes e que hoje não são administrados.
O FRE seria um fundo privado, responsável pela gestão e valorização desses ativos. A cada ano, ele receberia o dinheiro para pagar a conta dos aposentados da mesma fonte atual (Cofins e Contribuição sobre o Lucro). Só que, enquanto esse dinheiro hoje vai a fundo perdido no orçamento, ele entraria como um empréstimo ao FRE. Na medida em que o FRE fosse vendendo seus ativos, pagaria esses empréstimos, resgatando dívida pública.
Aí vem o grande pulo do gato. Pelo critério contábil usado, empréstimos do setor público ao setor privado (e o FRE será um fundo privado) são ativos e, portanto, reduzem a dívida líquida.
Em outros termos, ao repassar o equivalente a 1,8% ao ano para o FRE, esse exato montante seria abatido do déficit público, permitindo um ganho fiscal contábil suficiente para estabilizar o crescimento da dívida. O fato de o governo usar como lastro do FRE outros ativos não teria nenhum impacto negativo, já que eles hoje não são contabilizados.
Para que o esquema tivesse credibilidade, contudo, seria preciso que o governo demonstrasse que tem ativos bons e disponíveis equivalentes ao valor presente da dívida dos aposentados. E precisaria administrar esses ativos de forma a valorizá-los.
Em compensação, essa solução teria várias vantagens. Seria uma forma "social" de usar o dinheiro da privatização, reduzindo as resistências políticas. Seria ainda um esquema que poderia ser reproduzido pelos Estados. Aliás, os Estados que assinaram acordos de renegociação de suas dívidas terão que pagar 20% do total em ativos para o governo federal -o que poderia ajudar na constituição do FRE.
A idéia é engenhosa e o prestígio de Velloso em Brasília facilita sua venda. Mesmo com o FRE, contudo, só haverá superávit fiscal se houver vontade política.

E-mail: CelPinto@uol.com.br

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