São Paulo, domingo, 18 de maio de 1997
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Rombo 4 - O Eterno Retorno

LUIZ GONZAGA BELLUZZO

"Aumenta o rombo nas contas externas". Foi mais ou menos assim que Lilian Witte Fibe -entre compungida e assustada- anunciou, no "Jornal Nacional", o déficit em transações correntes, registrado nos primeiros quatro meses do ano.
Citando Lilian, não pretendo desprestigiar outros apresentadores ou "âncoras" de igual ou maior talento, que provavelmente também anunciaram com graça e ênfase o desditoso resultado. Lilian, no entanto, transmite aos telespectadores aquela angústia que invade a alma de uma consumidora global, ao comemorar a assinatura do centésimo cheque pré-datado do quadrimestre.
Até mesmo o criptofônico ministro Malan parece convencido do papel determinante do consumo privado -apoiado pela expansão do crédito- na sustentação do (medíocre) crescimento da economia e na geração e ampliação do desequilíbrio em conta corrente.
Os responsáveis pela política econômica sustentaram durante um bom tempo a tese do ajustamento virtuoso: a outra face do déficit comercial em expansão seria o investimento redentor em modernização, racionalização das empresas, ganhos de produtividade, armas poderosas para a conquista de mercados estrangeiros.
Os estudos já realizados pela Cepal e os que estão em andamento no Instituto de Economia da Unicamp mostram que as teses do governo estão em amplo desacordo com o que as empresas vêm fazendo ou pretendem fazer.
As informações disponíveis revelam que, neste ciclo, o crescimento da taxa de investimento agregada é quase imperceptível, concentrando-se as ampliações de capacidade nas atividades voltadas para o mercado interno.
Os empresários, como era de se esperar, vêm reagindo corretamente à valorização da taxa de câmbio real e às taxas de juros elevadas. As empresas ajustaram-se magnificamente aos sinais emitidos pelo governo. Os sobreviventes apresentam, aliás, índices de faturamento, rentabilidade, endividamento que exprimem um excelente desempenho microeconômico.
Os estudos realizados pela consultora Lafis e publicados na penúltima edição da revista "Carta Capital" sugerem, no entanto, que, em certos casos, a saúde de algumas empresas pode ser sintoma de grave doença macroeconômica.
Senão, vejamos. O nível de taxas de juros impede a expansão mais rápida do investimento, enquanto a taxa real de câmbio inibe as inversões nas atividades destinadas à exportação ou naquelas que sofrem uma forte concorrência das importações "subsidiadas".
Enquanto isso, o diferencial entre as taxas de juros domésticas e as prevalecentes no mercado internacional estimula ou força as empresas e os consumidores a tomar empréstimos em moeda estrangeira para sustentar o crescimento da demanda corrente.
As empresas mais ajustadas são aquelas que conseguem capturar os benefícios gerados pelo descompasso entre o ritmo de ampliação da demanda -sustentada pelo endividamento em moeda estrangeira- e a expansão da oferta, contida pelas taxas de juros, pelo aumento do risco cambial e pelo "vazamento" das importações.
O rápido crescimento do déficit em transações correntes, que este ano deverá avançar US$ 10 bilhões sobre o resultado de 1996 (US$ 24 bilhões), tem aumentado o coro dos que recomendam maior rapidez e profundidade na correção do desequilíbrio fiscal, como única forma de se evitar o prosseguimento dessas mazelas e um possível "ajustamento de choque" no futuro.
A proposta, derivada da equação que estabelece as condições de equilíbrio macroeconômico, incluído o setor externo, recomenda que o governo, ao tornar-se superavitário em suas contas, possa contribuir para o aumento da poupança doméstica, reduzindo, assim, as pressões sobre a demanda de importações e de bens exportáveis. Ou seja, o aumento da poupança pública, neste momento, é a forma mais recomendável de se colocar um freio na chamada "absorção doméstica", o que criaria, ademais, condições favoráveis para a queda dos juros.
Ainda que o governo venha a empreender a correção fiscal exigida, sem produzir uma recessão muito profunda, não é claro que, mantida a atual sobrevalorização do câmbio, possam ser estabelecidas as condições para o crescimento estável.
Na ausência de um realinhamento cambial, a esperada queda dos juros certamente favoreceria uma resposta elástica do consumo privado e poderia, em tese, estimular o investimento voltado para o atendimento do mercado interno. Essa combinação não parece a mais desejável para uma economia que pretende ampliar o seu grau de integração com um ambiente internacional fortemente competitivo.

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