São Paulo, domingo, 18 de maio de 1997
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País nada ganha com Alca, diz industrial

CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A BELO HORIZONTE

Stefan Bogdan Salej, presidente da Fiemg (Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais), suspeita que o problema principal do Brasil não é necessariamente o prazo para a constituição da Alca (Área de Livre Comércio das Américas).
Iniciar agora ou mais adiante a negociação para reduzir ainda mais as tarifas de importação pode não ser o mais importante, acha Salej.
"As empresas brasileiras, salvo raras exceções, não têm marcas internacionalmente reconhecidas, nem redes de comercialização externas, nem investimentos em ciência e tecnologia", diz o empresário, esloveno de nascimento.
Logo, mesmo que os Estados Unidos abram seus mercados, a penetração de exportações brasileiras será limitada.
US$ 2 bilhões a mais
O presidente da Fiemg faz uma pergunta provocadora: "Suponhamos que, de uma hora para outra, os Estados Unidos abram totalmente o seu mercado para o Brasil. Exportaríamos uns US$ 2 bilhões a mais. E daí?".
Essa é a pergunta central. Os produtos tradicionais (suco de laranja, produtos siderúrgicos, calçados e têxteis), cuja importação do Brasil os norte-americanos barram utilizando artifícios variados, podem se beneficiar com a queda das barreiras.
Acrescentariam, pelos cálculos do Ministério da Indústria, Comércio e Turismo, os US$ 2 bilhões citados por Salej.
Mas o país não está preparado para tornar mais rica a sua pauta de exportações, de forma a abocanhar fatias mais suculentas do mercado norte-americano.
No sentido inverso, é exatamente o contrário. Basta tomar o caso da informática.
Uma pesquisa feita pela consultoria Price Waterhouse e divulgada na terça-feira passada mostra que 68% dos programas de computador em uso no Brasil (o software) são pirateados.
Mostra, ainda, que a produção latino-americana de software cobre apenas cerca de 6% a 8% do mercado.
Logo, se houver uma abertura também na informática, o Brasil não vai exportar um centavo a mais para os EUA, mas vai importar bilhões de dólares nesse que é um dos setores mais dinâmicos da economia moderna.
2005, perto demais
Salej não está sozinho nessa constatação. Não significa, entretanto, que ele defenda o fechamento da economia nos parâmetros atuais.
Nem mesmo o PT, ou ao menos o seu líder histórico, Luiz Inácio Lula da Silva, o faz.
Ao falar, no dia 10 passado, em seminário de personalidades de esquerda e centro-esquerda da América Latina, Lula disse não ser contra a abertura da economia, mas contra uma abertura que só beneficie os empresários e não também os trabalhadores.
O dilema político brasileiro, em matéria de comércio internacional, é justamente esse: todos ou quase todos admitem que a Alca é inevitável, mas poucos se animam a desenhar cenários nos quais a constituição dessa portentosa área de livre comércio possa ser benéfica para o Brasil.
Talvez por isso tenha se criado, nas discussões prévias em torno da Alca, uma coalizão virtualmente inédita entre governo, empresários, sindicalistas e partidos de oposição.
Todos batendo na tecla de que a Alca deve ser construída gradualmente, de modo a deixar para o fim a negociação de novas aberturas comerciais, para dar tempo ao país de se preparar.
As reflexões de Stefan Bogdan Salej sugerem que, talvez, o tempo pedido seja insuficiente.
No horizonte que hoje se pode ver, o Brasil dificilmente estará, até 2005 -a data tentativa para criação da Alca- em condições de competir com os Estados Unidos.
Com o detalhe agravante de que a competição não será apenas no mercado norte-americano, mas em pleno território brasileiro.

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