São Paulo, domingo, 18 de maio de 1997
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Fapesp vai apoiar as pequenas empresas

GILSON SCHWARTZ
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de SP lança um sistema de incentivo às pesquisas no setor

Com verba garantida pela constituição estadual (1% da arrecadação) e uma sólida tradição de apoio à pesquisa básica, a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) começou a dar uma guinada no ano passado, apoiando projetos de parceria entre centros de pesquisa e várias empresas.
Agora lança um novo programa, voltado para pequenas empresas (veja quadro abaixo).
José Fernando Perez, 49, é o diretor científico que está implementando essa nova orientação.
Formado em engenharia eletrônica pela Escola Politécnica, em 1967, quando concluiu também o curso de Física da USP (Universidade de São Paulo), Perez fez o mestrado no Instituto de Física da USP e o doutorado na Escola Politécnica de Zurique em 1973.
Antes de ser diretor científico foi membro do Comitê de Física da Fapesp por quatro anos.
Em entrevista exclusiva para a Folha, Perez sublinha que apesar do gasto de custeio da Fundação ser limitado por lei a 5% do orçamento, a Fapesp hoje gasta apenas 1,2%, processando 30 mil processos por ano.
Esses processos incluem bolsas, auxílios à pesquisas etc.
Segundo Perez, "o primeiro passo para fomentar o desenvolvimento tecnológico foi estimular a parceria entre instituições de pesquisa e o ambiente empresarial".
Ele acredita esse estímulo é necessário pois no Brasil não há uma cultura de empresas investirem em pesquisa e desenvolvimento.
"Não há tradição das empresas procurarem as universidades como parceiras, o que é uma tendência internacional", afirma o diretor científico.
*
Folha - Como surgiu esse novo enfoque buscando aproximar a academia e as empresas?
José Fernando Perez - A Fapesp existe desde 1962, criada no governo Carvalho Pinto, embora estivesse prevista na constituição do Estado desde 1947.
Nasceu da mobilização da comunidade, com uma dotação de 0,5% da receita tributária estadual e um grau de autonomia inusitado, inclusive no cenário internacional.
Mas o governo está presente no Conselho Superior (12 membros, seis indicados pelo governador, seis pelas universidades e instituições de pesquisa).
Folha - Empresários poderiam ter assento nesse Conselho?
Perez - Já teve membros, como José Mindlin, e há uma preocupação constante de manter pessoas com visão tecnológica. Mas as 12 vagas são definidas de forma genérica, o que é saudável.
A mudança de enfoque surgiu a partir da nova constituição estadual de 1989, que aumentou a dotação da Fapesp para 1% da arrecadação.
Ao mesmo tempo, a Assembléia redefiniu a missão da Fapesp, insistindo não apenas no desenvolvimento científico mas também no avanço tecnológico do Estado de São Paulo.
O Conselho passou então a estudar formas de implementar essa nova orientação.
Folha - Qual o novo conceito?
Perez - O primeiro passo para fomentar o desenvolvimento tecnológico foi estimular a parceria entre instituições de pesquisa e o ambiente empresarial.
No primeiro programa, portanto, o movimento é no sentido das empresas, para fora da pesquisa básica, para estabelecer um conhecimento recíproco.
Folha - Quais as dificuldades dessa aproximação?
Perez - Os centros de pesquisa e as empresas são parceiros curiosos, que não apenas se conhecem pouco, mas também têm preconceitos.
É um desafio, que começa com o conhecimento recíproco. Estamos concluindo o segundo ano do programa com uma carteira de 20 projetos em andamento.
Folha - Qual o valor dessa carteira de projetos?
Perez - São cerca de US$ 5 milhões, a primeira dotação da escala piloto. Quatro estão em fase final de aprovação. Cada projeto tem uma história especial, em geral os projetos nascem de uma relação pessoal que já existe entre os pesquisadores e as empresas.
Aliás, esse é um fenômeno internacional. É necessária uma confiança mútua para que os projetos surjam e façam progresso.
Em alguns casos já havia até uma cooperação.
Folha - Qual o significado preciso da parceria?
Perez - A empresa parceira deve oferecer uma contrapartida real, com recursos novos. Pode inclusive usar os incentivos fiscais existentes, o que significa um custo muito baixo para a empresa, que pode até mesmo recorrer a linhas de financiamento (junto à Finep, por exemplo), enquanto os recursos da Fapesp são um investimento a fundo perdido.
Aliás, essa é uma palavra de que eu não gosto, é apenas um investimento sem expectativa de retorno financeiro.
O retorno que nós queremos é o desenvolvimento de projetos e a formação de uma cultura.
Folha - Que tipo de cultura é essa?
Perez - Primeiro, não há nesse país uma cultura de empresas investirem em pesquisa e desenvolvimento.
Segundo, não há tradição das empresas procurarem as universidades como parceiras, o que é uma tendência internacional.
Folha - Isso vale para outros países em desenvolvimento, principalmente na América Latina?
Perez - O quadro é bastante geral, ele muda mesmo é nos países desenvolvidos, onde o padrão de investimento em pesquisa e desenvolvimento revela que o esforço industrial, a iniciativa das empresas representa no mínimo 60% do total.
A maioria dos investimentos é feita dentro da própria empresa, com recursos próprios. No Brasil, os números mais otimistas situam essa participação das empresas no máximo em 30%.
Folha - Mesmo nos países avançados, essa tendência continuou no período mais recente?
Perez - Com o fim da guerra fria houve até uma intensificação desse interesse das empresas por parcerias com universidades e centros de pesquisa.
Muitas empresas estão com dificuldades para manter seus laboratórios e procuram agora apoio dentro das universidades. São portanto duas frentes em que é preciso atuar.
Folha - Que outras dificuldades há para criar essa cultura de parceria?
Perez - A dificuldade não é só do lado empresarial. Por muito tempo houve um certo conformismo no ambiente acadêmico e até dificuldades de natureza ideológica nessa relação com o ambiente empresarial.
Aliás isso não é específico ao Brasil. Na Inglaterra até 20 anos atrás se você perguntasse a um professor de química de Oxford se ele tinha contatos com empresas, ele poderia sentir-se ofendido. Agora você visita universidades inglesas e a parceria não apenas existe como eles se sentem orgulhosos quando há contratos de pesquisa com empresas.
Folha - Mas como fica a pesquisa básica?
Perez - Isso é importante. Não se está querendo sequer relativizar o papel da pesquisa básica ou fundamental.
Ao contrário, não há nenhuma limitação de recursos nessa área pela Fapesp, é apenas a criação de uma nova fronteira que traz benefícios para a própria atividade de pesquisa básica.
Muita pesquisa básica de boa qualidade é estimulada por projetos de origem tecnológica.
Folha - Afinal, qual o critério para a aceitação de um projeto de parceria pela Fapesp?
Perez - A Fapesp já vinha atuando em projetos em que ocorre transferência de conhecimento e tecnologia.
O critério fundamental é que exista inovação tecnológica, horizonte de benefícios comerciais e sociais e envolver atividade de pesquisa.
Folha - Há exigências mínimas de qualificação formal dos pesquisadores?
Perez - Na realidade nós estamos assumindo uma atitude cada vez menos cartorial, em termos de titulação. O que nós exigimos, como agência de fomento, é uma análise de custo-benefício e de competência.
A competência pode ser julgada por vários critérios. Você tem por exemplo vários institutos de pesquisa no Estado de São Paulo que não buscam a titulação formal, ou uma carreira acadêmica convencional.
Eles têm uma competência para gerenciar esses projetos de forma independente e essa é uma tendência importante.
Quando se pensa em inovação tecnológica, tem muita gente que nunca teve interesse ou motivação, e nunca vai ter, para buscar uma carreira acadêmica. Seria equivocado colocar uma camisa de força em termos de titulação.
Folha - Há linhas ou setores prioritários?
Perez - A tradição da Fapesp é de abertura, sem restrição por setor, apenas julgando a qualidade dos projetos, da metodologia, da equipe e se a contrapartida da empresa é adequada em função do risco tecnológico envolvido.
Se é baixo o risco tecnológico, ou seja, menor a perspectiva de geração de inovação, exige-se uma contrapartida maior da empresa. Isso será avaliado por pelo menos dois assessores e até mais, se necessário.
Tudo mantendo um prazo médio de sete, oito semanas para dar uma resposta final a quem solicita o apoio da Fapesp. O importante é que o resultado final tenha um valor comercial.
Folha - A quem, afinal, pertence o conhecimento produzido?
Perez - Esse programa não está visando a subsidiar a empresa, sem aliás entrar no mérito das políticas de subsídio.
O importante para nós é que se busca uma cultura e uma capacitação, quem no final se apropria é o sistema científico.
Conhecer o ambiente industrial, saber como atuar para atender a objetivos de natureza empresarial.
É o desenvolvimento tecnológico que se busca. A Fapesp não vai substituir o investimento privado, é uma questão de catalisar uma reação. Nossa ação não é maciça, é indutiva.
O produto maior é uma capacitação que é estratégica e que é um patrimônio da sociedade. Nosso sistema de pesquisa não vai crescer se estiver confinado ao ambiente acadêmico.
Ele é forte no ambiente acadêmico por ser demandado pelos setores empresariais e pelo próprio governo. Esse é um processo que fortalece toda a pesquisa.
Folha - E o programa para as pequenas empresas?
Perez - Essa é a grande novidade. Nesse caso queremos levar o pesquisador para dentro da própria empresa.
Os formulários já estão à disposição e as propostas podem ser apresentadas até 30 de junho.
Uma segunda seleção aceitará pedidos enviados até 30 de novembro. Nossa meta é aprovar 20 projetos que gastem um total de R$ 5 milhões.
Esse programa reconhece o papel estratégico da pequena empresa como vetor da transferência de conhecimento científico e tecnológico para o ambiente empresarial.
É um programa inspirado no que se faz nos Estados Unidos, onde no ano passado houve investimentos de US$ 1 bilhão em pesquisa e desenvolvimento no ambiente de pequenas empresas.
Todas as agências federais de fomento, por lei do Congresso, são obrigadas a investir 2,5% de seus programas em pequenas empresas.
Aliás, a idéia chegou ao Brasil através de um pesquisador brasileiro que foi convidado a dar um parecer como consultor num projeto em execução nos Estados Unidos.
Hoje há pesquisadores brasileiros que estão nos Estados Unidos usufruindo de projetos desse tipo.

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