São Paulo, domingo, 18 de maio de 1997
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Alca: tudo bem no ano que vem

JOSÉ AUGUSTO GUILHON ALBUQUERQUE; RICARDO WAHRENDORF CALDAS; AMÂNCIO JORGE DE OLIVEIRA

JOSÉ AUGUSTO GUILHON ALBUQUERQUE
RICARDO WAHRENDORF CALDAS
AMÂNCIO JORGE DE OLIVEIRA
Apesar da significativa contribuição da comunidade acadêmica, das centrais sindicais e da comunidade empresarial, e a despeito da recente abertura do Itamaraty, persiste na opinião o sentimento de alijamento das negociações da Alca. Isso justifica que as análises acadêmicas tenham, também, um caráter propositivo.
Em Belo Horizonte se negociou a formação da maior zona de livre comércio do mundo, representando 52% do comércio mundial, com um PIB superior a US$ 9 trilhões e uma corrente de comércio (exportações mais importações) de mais de US$ 2,3 trilhões.
Nesse PIB, o Nafta (EUA, Canadá e México) representa 88%, o Mercosul, 8%, e os demais 27 países, 4%. Portanto, o Mercosul engloba dois terços do resto da economia das Américas fora o Nafta, cujas exportações têm crescido para o Mercosul a um ritmo bem mais rápido do que para o resto do mundo.
As exportações dos EUA para o Brasil cresceram de US$ 4,5 bilhões em 1992 para US$ 11,6 bilhões em 1996 (mais 157%). As exportações do Brasil para os EUA passaram, no mesmo período, de US$ 6,9 bilhões para US$ 9,1 bilhões (mais 32%), o que tem levado a um crescente déficit.
O Mercosul, refletindo a cautela brasileira, tem adotado a posição segundo a qual a Alca deveria limitar-se a uma área de livre comércio, sem a rigidez de coordenação de políticas e integração institucional de um mercado comum; que os blocos já existentes (como o Mercosul) sejam preservados como etapas na construção da Alca; e que o acordo represente um consenso entre todos os países participantes, e os resultados das negociações sejam adotados simultaneamente ("single undertaking").
As posições mais controversas do Brasil (via Mercosul) dizem respeito ao prazo de implementação e ao método (a desenvolver-se em três fases sucessivas e estanques). Ambas as propostas redundariam num enrijecimento das negociações e, na prática, numa negociação sem prazo.
A protelação brasileira reflete as incertezas num contexto de déficit comercial crescente e na ausência de um diagnóstico consensual sobre suas causas e os remédios mais adequados.
Ela tem sido bem-sucedida devido à crescente dependência comercial de nossos parceiros no Mercosul com relação ao mercado brasileiro e também devido às dificuldades domésticas que limitam a iniciativa norte-americana.
Mas o aumento substancial da dependência norte-americana com relação ao comércio, o desempenho positivo de suas exportações para o Brasil e o temor de um sucesso provável da expansão do Mercosul e da liderança brasileira na América do Sul podem levar a uma atitude mais decidida dos norte-americanos.
"Tudo bem no ano que vem" poderia ser o lema desse encontro, que adiou para fevereiro de 98, na Costa Rica, as negociações relevantes, sobre objetivos, ritmo, fases e estrutura das negociações, e para março, na cúpula presidencial em Santiago, ficou a recomendação de uma decisão favorável ao lançamento das negociações e dos prazos para sua implantação.
Todos os princípios e objetivos acordados até agora foram mantidos: compromisso com o livre comércio, consistência com os acordos multilaterais da Organização Mundial do Comércio, coincidência com os processos de integração já existentes, entendidos como peças básicas da constituição da Alca, respeito às disparidades econômicas entre os países da região e processo consensual de decisão simultânea ("single undertaking").
Três avanços devem ser registrados: a criação de um comitê preparatório, em nível de vice-ministro do Comércio, e de uma secretaria administrativa provisória, e a anunciada flexibilização do Brasil a respeito da exigência de fases sucessivas e estanques de negociação.
Isso permitiria avançar em áreas de interesse premente (como a supressão de barreiras não-alfandegárias a produtos brasileiros no mercado norte-americano), sem prejuízo de continuar protelando aquelas para as quais não estamos preparados.
A ação protelatória é arriscada se limitar o horizonte do Brasil à América do Sul. Dependendo do seu custo relativo, o acesso ao maior mercado do mundo não pode ser descartado. E, a não ser que o Brasil pudesse bloquear indefinidamente a Alca, também não deveria correr o risco de ter limitado seu acesso ao mercado das Américas.
Uma atitude mais pragmática seria aconselhável, com o estabelecimento de prazos e metas de recuperação da competitividade, por exemplo, com programas maciços de qualificação da mão-de-obra, diminuição dos custos de transporte, modernização das alfândegas, já adotado por 74 países, a criação de uma agência específica de comércio e de um banco de exportação, além de medidas de incentivo à competitividade doméstica.
Não basta ganhar tempo, precisamos ganhar competitividade e, portanto, precisamos de programas com prazos, e não de prazos sem programas.
Num processo em que o futuro está em jogo, julgamos oportuna a proposta dos empresários mineiros de criação de um Fórum Econômico e Social das Américas que faça ouvir mais alto a voz das sociedades americanas.

José Augusto Guilhon Albuquerque, 56, é professor-titular de ciência política da USP (Universidade de São Paulo) e coordenador do Nupri (Núcleo de Pesquisa em Relações Internacionais) da USP.

Ricardo Wahrendorf Caldas, 32, é doutor pela Universidade de Kent (Reino Unido) e pesquisador-visitante do Nupri.

Amâncio Jorge de Oliveira, 30, é mestrando em integração latino-americana na USP e pesquisador-assistente do Nupri.

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