São Paulo, domingo, 18 de maio de 1997
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Império do Mal

OSIRIS LOPES FILHO

A divulgação pela Folha das gravações de diálogos comprometedores do deputado Ronivon constitui um marco na história do jornalismo.
Há um falso moralismo, ainda sobrevivente nos setores poderosos de nossa sociedade, que a cada emergência de escândalos e mazelas afirma com veemência: "Trata-se de fato isolado, e as responsabilidades serão apuradas". É o pára-choque amortecedor funcionando.
Diz a letra de uma canção popular que "não há pecado do lado de baixo do Equador". O mesmo senso ético predominante é de que tudo é permitido, desde que não seja descoberto. Em outras palavras, na moita, vale tudo. Há um império do mal, que às escondidas vai tramando as negociatas e a obtenção de lucro fácil. Cada um que possui uma nesga de poder procura assegurar o seu quinhão.
O processo corrupto parece dominado por uma dinâmica hegeliana. Tanto acumulou de putrefação, fazendo quantidade na surdina, que, finalmente, extravasou a qualidade, ao evidenciar à sociedade o que se urdia no silêncio, e que, muitas vezes, sua aparência se materializava em formas normativas pretensamente neutras: medidas provisórias, portarias, julgamentos de licitações.
Proer e privatizações; Polícia Militar matando gente humilde e aplicando a pena de morte nos criminosos do Carandiru; trama dos precatórios; propaganda enganosa das reformas constitucionais. É longa a lista das variadas e diversificadas formas de corrupção no país.
À busca da aprovação da reeleição, negada por nossa tradição constitucional, faltaram espírito republicano e renúncia e humildade democrática. Imperou a soberba, a ambição de perpetuação.
Reconheça-se que neste episódio, agora aflorado, há um fundamento ideológico e filosófico a inspirá-lo.
A apostasia, feita pelo governo, passando do marketing da social-democracia para a operação do páleoliberalismo, propiciou a difusão da idéia de mercado, de preço dos bens, de competição desenfreada, o que motivou os modestos deputados acreanos, amparados pelo espírito dominante, a tirar as vantagens que o mercado oferece.
A catarse desse Império do Mal, seu exorcismo ou sua superação exigem uma CPI, que não pode ser abortada, como das vezes anteriores, para desvendar toda a trama. Doa a quem doer, como dizia um dos prógonos do liberalismo governamental.

Osiris de Azevedo Lopes Filho, 57, advogado, é professor da Universidade de Brasília e ex-secretário da Receita Federal.

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