São Paulo, domingo, 18 de maio de 1997
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Ingresso de boate vira 'bicho' do clube mais popular da região

MÁRIO MAGALHÃES
DO ENVIADO A RORAIMA

O Baré não tem campo próprio para treinamento, local para concentrar o time e salário superior a R$ 120 para a maioria dos atletas.
Mas o clube mais popular de Roraima, o favorito do governador Neudo Campos (PPB), proporciona uma diversão que seria considerada suicida em outras cidades.
Cada jogador ganha uma carteira personalizada que permite entrar de graça uma vez por semana na concorridíssima boate Spectron, sem hora para sair.
Os "Renatos Gaúchos" e "Edmundos" locais, no entanto, são obrigados a deixar a carteira, pois têm direito a apenas uma noitada semanal.
Eles recebem o documento de volta na segunda-feira à noite, quando se apresentam para a rodada dupla no estádio Canarinho.
"Todo mundo sabe que não pode exagerar porque estamos de olho", diz o presidente do Baré, Zuza Araújo.
O lateral Derley, que jogou no Sertãozinho (SP) e espera um empresário levá-lo para o futebol belga, treinou de pés descalços na terra por falta de chuteiras.
Mulher massagista
O Baré cobra R$ 800 mensais para alugar o terreno onde funciona a boate. Por um posto de lavagem de carros, mais R$ 600.
Os R$ 3.100 que faltam para cobrir o orçamento mensal de R$ 4.500 com a equipe vêm do bolso do presidente e amigos seus.
É pouco? O Grêmio Atlético Sampaio não consegue nem isso. "Passo privações em casa, fico até sem carne, para pagar as contas do clube", diz seu presidente, Agenor de Almeida, há 27 anos no cargo.
Sargento da reserva do Exército, Almeida vende madeira para bancar o clube. O vice-presidente é seu genro, e o secretário, o marido de uma sobrinha.
Até o clube de maior poderio financeiro, o Progresso, vive da generosidade de alguns.
Na falta de um massagista, o clube tem uma massagista, Ednelza Barros, filha do presidente. "Estou aqui para ajudar meu pai. Não ganho nada, mas é gratificante."
Embora considere "família" o ambiente, ela nunca entra no vestiário. "Fico só na sala de espera, separada dos jogadores."
O Progresso é o único dos seis times do Campeonato Roraimense cuja sede não fica em Boa Vista, mas em Mucajaí, a 51 km.
Graças ao patrocínio do vice-governador e presidente de honra do clube, Airton Cascavel, o Progresso tem seis jogadores "forasteiros", com salários de poucas centenas de reais, mais casa, comida e roupa lavada.
"Somos profissionais só por exigência", diz o vice-governador. Quando o futebol era amador, os clubes também "importavam" atletas, quase todos da Amazônia.
No ano passado, todos os contratos de jogadores do Estado foram registrados na Confederação Brasileira de Futebol com remuneração de um salário mínimo, incluindo os que nada ganham e os poucos que superam os R$ 120 atuais. Os atletas vivem, na verdade, de outros empregos.
Time de PMs
Há muitos policiais civis. Kleber, zagueiro do Atlético Roraima, antes de integrar o setor de informações enfrentou a dura vida das ruas nos anos de ouro do garimpo.
Em Tepequém, 207 km a noroeste de Boa Vista, prendeu um garimpeiro que matara um colega. Condenado, o assassino foi cumprir pena no presídio onde o centroavante Gerlan, companheiro de Kleber, é guarda carcerário.
O time do Rio Negro poderia ser confundido com um batalhão da Polícia Militar. Entre os jogadores, batem continência os soldados Ranier e Peteleco, o cabo Edimarães, índio macuxi, e o capitão Chagas.
Mesmo sendo superior na hierarquia da corporação, Chagas tem ficado no banco, mas não peita o técnico Roque, cabo da PM.
Se há choque, a palavra final é do "presidente da comissão técnica", como se intitula o coronel aposentado da PM Santos Rosa.
Linha dura, numa rodada noturna de segunda-feira, em abril, ele desabafava sobre um bate-boca com um jogador policial. "Aí, tive que ser o coronel para resolver".
Certa vez, quando Santos Rosa invadiu o campo, o árbitro ordenou ao PM que chefiava a segurança do estádio para retirar o dirigente. O subordinado do coronel fez que não ouviu.
(MM)

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