São Paulo, domingo, 18 de maio de 1997
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Serviço secreto acumula 180 km de arquivos

PAULA DIEHL
ESPECIAL PARA A FOLHA, DE BERLIM

Após a reunificação, o governo alemão resolveu abrir os arquivos da antiga Alemanha Oriental. São mais de 180 km de estantes repletas com material impresso e gravado do serviço secreto da antiga RDA (República Democrática Alemã).
Para organizar o volume de documentos, o governo criou uma repartição pública que tem por fim reconstituir os arquivos e possibilitar o acesso a jornalistas, pesquisadores e vítimas de espionagem.
Ao todo, a organização dos arquivos emprega mais de 3.000 funcionários, 95% alemães orientais, em uma central em Berlim e 14 filiais distribuídas pelo território da ex-Alemanha Oriental.
Entre os empregados públicos, foi necessário recrutar muitos dos próprios ex-funcionários do serviço secreto da ex-Alemanha socialista (Stasi), já que era preciso conhecer o sistema de catalogação dos arquivos para poder decifrá-los. Os arquivos não foram removidos a fim de se manter a ordem original do material.
Segundo cálculos dos responsáveis pelos arquivos, os espiões do serviço secreto oriental chegavam a ser 50% mais numerosos que todo o Exército da antiga RDA.
Em sua maioria cidadãos comuns vindos dos mais variados grupos sociais, eles trocavam informações sobre vizinhos, amigos e parentes por dinheiro, privilégios e vantagens profissionais.
Com a abertura dos arquivos, os denunciantes foram sendo descobertos por suas vítimas, o que por vezes provoca traumas psicológicos profundos.
Um dos casos mais conhecidos é o de Vera Lengsfeld. Ao examinar seus arquivos, Vera descobriu que havia sido espionada durante anos por seu próprio marido. Após a consulta, ela imediatamente entrou com pedido de divórcio.
Os consultantes dos arquivos encontram informações pessoais que vão desde o posicionamento político, preferência cultural, círculo de amizades, até o estado de saúde e a vida sexual.
O serviço secreto alemão oriental chegava a coletar até amostras de "cheiro individual" dos "subversivos" mais perigosos.
Os suspeitos tinham de portar um pano de algodão nas partes íntimas do corpo que então era arquivado em vidro hermeticamente fechado. Isso deveria facilitar a busca de fugitivos por cães.
Os vidros, hoje na exposição permanente aberta ao público, constituem a grande atração do departamento de arquivos. A Alemanha mesmo após a Guerra Fria necessita de uma imagem negativa para construir sua face democrática.
Os alemães do antigo bloco socialista, porém, ainda precisam digerir o passado e entregam diariamente cerca de mil pedidos para consulta dos próprios arquivos.
A maioria deles vêm à procura dos traidores responsáveis pelas delações e permanece persistente mesmo que o tempo de espera para a consulta seja de um a três anos. As salas para consulta recebem até cem visitantes por dia.
Mas essa desproporção entre trabalho feito e tarefa por cumprir não assusta o ex-pastor e coordenador geral do projeto, Joachim Gauck (leia texto nesta página).
Gauck é apontado como uma das pessoas mais importantes no processo de depuração do passado comunista da Alemanha Oriental. Para ele, "enquanto ditaduras alemãs funcionarem burocraticamente, será necessário gerenciar a digestão desse passado também de maneira burocrática".
Sua marcante personalidade e retórica já deram até mesmo nome à instituição, que passou a ser conhecida como "Gauck-Behõrde" (departamento de Gauck).
Com a crise econômica, correntes do governo alemão sugeriram para 1998 a redução da verba destinada ao "departamento de Gauck" ou mesmo o fechamento de oito filiais. Só no ano passado foram gastos US$ 12,5 milhões, o que para alguns políticos é demasiado oneroso aos cofres públicos.

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