São Paulo, domingo, 18 de maio de 1997
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Devoção esconde raiva

"O homem mata. A mulher prefere se destruir. Ela só mata 'in extremis"'
Waldir Troncoso Peres, 73, advogado criminalista

Mas o que é amar demais? Para psiquiatras e psicanalistas, é muito difícil traçar limites do que é "razoável", quando o tema são os relacionamentos afetivos.
A primeira característica que chama a atenção dos especialistas nessas mulheres é o fato de elas repetirem padrões de comportamento com homens diferentes. "O parceiro provavelmente entra em um jogo de fantasias, uma maneira de funcionar dessa mulher, independente de quem ele é. Ela diz que gosta do João, mas de um João que está mais na cabeça dela do que no corpo desse indivíduo", diz o psicanalista Renato Mezan, 46, professor do Programa de Pós-graduação em Psicologia Clínica da PUC-SP.
Além disso, quem ama demais sente que não é amado da mesma forma. "Amores tão extremados, em geral, contêm traços de outras relações e de outros problemas. Fica tudo depositado ali. Daí a impressão de que não há recompensa", diz Mezan.
Para o psicanalista, a causa do problema não é a dedicação ao companheiro. "Toda relação precisa ser cultivada com atenções, carinhos. Como disse Chico Buarque: qualquer desatenção pode ser a gota d'água."
Mezan afirma que não adianta aconselhar uma pessoa apaixonada a "pensar mais nela mesma". "É uma bobagem, você está indo contra o que a pessoa está vivendo. É como chegar para alguém com sono e pedir para ela esperar um pouco antes de dormir."
O psicanalista acredita que toda relação humana é ambivalente, "composta de amor e ódio". "Uma relação de amor total, como a que essas mulheres descrevem, parece desprovida de qualquer hostilidade. Se você examinar mais de perto, provavelmente encontrará traços de agressividade. Existe uma tentativa de dominar o outro, de escravizar o parceiro: eu te amo tanto, que toda sua vida tem de ser condicionada por esse amor. É um autoritarismo e, por trás de todo autoritarismo existe hostilidade, raiva."
Apesar de não conhecer a experiência, Mezan acha boa a iniciativa do Mada porque é uma oportunidade de as mulheres desabafarem e estabelecerem relações de amizade. Para ele, existem tantas mulheres quanto "homens que amam demais". "Pela minha experiência clínica, há tanto homens e mulheres sensíveis ou insensíveis uns com os outros".
Com uma visão diferente da dos psicanalistas, o advogado criminalista Waldir Troncoso Peres, 73, pode ser considerado especialista em "casos de amor". Em 50 anos de carreira, ele já defendeu cerca de 100 homens e 30 mulheres acusados de crimes passionais.
Peres diz que é muito difícil uma mulher matar por amor. "A mulher sublima seu sentimento agressivo. O homem mata, a mulher prefere se destruir." Para o advogado, a mulher, quando sofre uma ruptura, tem uma imensa capacidade de introjetar a dor. "Talvez por ter um sentimento de proteção maior e um espírito mais elevado, ela não tem o instinto primário de agressão, mais animal do que humano."
Segundo Peres, o número de crimes passionais cometidos por mulheres é ínfimo. "No homem, é tudo um impulso, um lampejo, uma obsessão pela traição, por exemplo. A mulher só mata in extremis."
O criminalista afirma ser muito difícil uma mulher ser condenada por um crime passional. "Está na consciência das pessoas. A mulher não repete a conduta criminal. O júri tem piedade com quem merece piedade."
No caso de Paula Thomaz, o advogado diz que ela já foi punida o suficiente. "Ela já ficou anos na cadeia, deu à luz na cadeia, perdeu o marido e o convívio social. É uma órfã do destino."

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