São Paulo, domingo, 25 de maio de 1997
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Era da enganação acabou, decreta Franco

DENISE CHRISPIM MARIN
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

A sociedade não pode mais pagar o preço dos subsídios concedidos ao empresariado para aumentar a competitividade de seus produtos no exterior -mesmo diante de um cenário de sucessivos déficits comerciais.
"A era da enganação acabou", decretou Gustavo Franco, diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central e "dono" da política cambial praticada no Brasil desde o início do Plano Real.
Crítico dos superávits comerciais do passado, Franco afirma que "estratagemas" como esses não têm mais lugar "em uma situação de normalidade como a atual".
Para ele, a competitividade é um fator objetivo. Não pode estar sujeito a ilusões.
Veja a seguir os principais trechos da entrevista:
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Folha - Existem previsões de que o déficit corrente possa ultrapassar US$ 30 bilhões neste ano. Até que ponto esse volume negativo pode ser administrado?
Gustavo Franco - Quanto aos números, é possível que tenhamos neste ano um déficit em conta corrente pouca coisa maior do que tivemos no ano passado. Todavia, o que vamos ter na conta de capitais vai ser muito melhor do que tivemos no ano passado, ao que tudo indica. De modo que estamos tranquilos quanto ao balanço de pagamentos.
Folha - Ou seja, o déficit corrente será financiado pela conta de capitais.
Franco - A maior parte das pessoas não sabe bem o que quer dizer déficit em conta corrente e isso tende a se traduzir de forma superficial, do tipo "o rombo do setor externo". É certo tipo de exagero retórico que não ajuda as pessoas a entenderem do que se trata.
Dou um exemplo simples: importações financiadas. No momento em que a operação é feita, metade da operação é contabilizada na conta corrente, e a outra metade, na conta de capitais. Quando as pessoas olham que a conta corrente dará déficit de tantos bilhões e perguntam como será financiado, a resposta é que já está sendo financiado. Porque a operação de financiamento foi contratada simultaneamente à operação de importação. Hoje, 80% das nossas importações são financiadas.
Então, tenho certa resistência a esse conceito: o que vamos fazer para financiar a conta corrente. Não é assim que funciona. O que funciona é operações da conta corrente que nascem simultaneamente à conta de capitais.
Isso, evidentemente, muda a temperatura das análises sobre os riscos que supostamente estaríamos correndo em função da balança comercial.
Folha - O senhor considera que o grau atual de abertura comercial é o adequado, é o limite, ou é possível avançar um pouco mais?
Franco - Eu acho que faria muito bem ao país se as importações e as exportações, ambos, fossem três ou quatro vezes o que são. Isso é o desejável. O que é desejável nas condições atuais é pergunta mais subjetiva.
Folha - Nos últimos anos, verificamos que as exportações não conseguem avançar na mesma velocidade das importações.
Franco - Isso é natural em um processo de liberalização. Isso porque as importações começam de uma base incrivelmente baixa. Então, é natural que cresçam, em um par de anos, a taxas estratosféricas, até que alcancem um patamar de normalidade. Não se espera que as importações possam crescer 100% todo ano. Apenas nos primeiros anos da abertura.
Folha - Essa é uma das grandes preocupações do governo?
Franco - É uma preocupação, sim. Mas veja: as exportações refletem condições objetivas de competitividade -salários, infra-estrutura, taxas de juros, condições macroeconômicas. Várias delas foram esquecidas durante muitos anos. As exportações foram, portando relegadas a segundo plano.
Algumas dessas distorções foram compensadas no passado com subsídios, doações, câmbio excessivamente valorizado. Portanto, inflação, recessões. Coisas desse tipo favorecem as exportações.
Nos meados dos anos 80, o Brasil teve desempenho exportador muito bom. Mas era o momento em que o país estava sofrendo a pior recessão do século, depois de duas maxivalorizações e um festival de doações de dinheiro a países que não tinham crédito para comprar as exportações brasileiras, além de subsídios que chegaram a alcançar quase a metade do valor das exportações brasileiras na ocasião.
Ou seja, todos problemas de competitividade objetivos que o país tinha podiam ser compensados por meio desse tipo de estratagema.
Agora, uma vez que o país volta a uma situação de normalidade, como agora, os estratagemas não funcionam mais. A era da enganação acabou. A competitividade é um fator muito objetivo, que não pode estar sujeito a ilusões.
Folha - Como o sr. descreveria a situação atual?
Franco - Hoje, temos um grau de transparência na competição, nos mercados, pela ausência da inflação e pela fixação da taxa de câmbio, que revela onde estão as verdadeiras fraquezas e forças do país. As exportações, encerrado o episódio da inflação alta, tiveram eliminadas algumas de suas influências espúrias.
O câmbio foi ajustado e isso prejudicou muita gente que não era lá muito competitiva e dependia do câmbio para sobreviver. Ou seja, dependia de tributar o resto do Brasil.
As fraquezas em nossas exportações começaram a ser trabalhadas. Há um par de anos atrás, começamos a fazer o que os países asiáticos estão fazendo há várias décadas. Ou seja, apoiar as exportações com medidas de verdade, sem enganação. E algumas respostas são visíveis. Assistimos um embarque recorde de grãos devido a medidas tomadas, como a desoneração do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços).
A Embraer está se revelando um sucesso exportador que tem a ver com a reestruturação da empresa, com a privatização, medidas técnicas, financiamento. Na área de automóveis, representantes das montadoras falam em exportações que vão crescer acima de 50% neste ano.
Folha - O senhor é a favor da execução de uma política industrial?
Franco - Continuo pensando da mesma forma. A discussão sobre política industrial no país não é ser a favor ou contra. É como fazer.
Coisas feitas no passado, como utilizar subsídios fiscais em troca de nada, sou contra. Utilizar incentivos creditícios por meio de monitoramento do desempenho do beneficiário, eu acho bem mais interessante.

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