São Paulo, domingo, 25 de maio de 1997
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Para Dornbusch, sensação é de que país do Real está em férias

FERNANDO GODINHO
DE BUENOS AIRES

Os constantes e crescentes déficits orçamentários da União, Estados e municípios são mais problemáticos para o Brasil do que os déficits nas contas externas.
A avaliação é do economista Rudiger Dornbusch, pesquisador do MIT (Massachusetts Institute of Technology) e especializado em economias latino-americanas.
Famoso por ter previsto a crise do México (ocorrida no final de 1994), ele acredita que os déficits nas contas externas do país podem ser financiados a partir do grande volume de reservas externas.
Dornbusch defende a realização imediata das reformas constitucionais (fiscal e administrativa), mas acredita que elas só ocorrerão após eventual reeleição de FHC.
A seguir, os principais trechos da entrevista exclusiva concedida por ele à Folha, durante sua última passagem por Buenos Aires.
*
Folha - No seu último estudo sobre o Brasil, o sr. fala que o Plano Real pode se transformar em um plano populista. Qual a razão?
Rudiger Dornbusch - Os investimentos são baixos para um país emergente. Na relação entre o PIB e quantidade de investimentos, Cuba e Rússia estão mais bem posicionadas que o Brasil. O que se nota é que o Brasil não está fazendo nada para o seu futuro. Nada de reestruturação e nada de reformas, como ocorre na Argentina. O Brasil está se divertindo com o seu atual momento econômico. A sensação é que, devido ao Real, o país está de férias. Sem as reformas, se chegará a um plano populista.
Folha - As contas externas brasileiras, com déficits na balança comercial e no balanço de pagamentos, são um problema para o país?
Dornbusch - Os déficits externos não são o maior problema do país, que tem uma economia que atrai a atenção de todo o mundo. Se o Brasil seguir como a Argentina, numa linha direta em direção às reformas, à economia de mercado e com altos índices de crescimento, o dinheiro para financiar esses déficits não será uma questão problemática. É preciso se mover para frente. Mas, se o déficit continuar crescendo, os investidores estrangeiros vão se perguntar o que está acontecendo com o dinheiro deles, pois essa é a concepção deles. Então, haverá problema.
Folha - Na sua avaliação, a situação fiscal interna (déficits orçamentários da União, Estados e municípios) seria a mais preocupante?
Dornbusch -Com certeza, os déficits internos são mais problemáticos. Mais do que isso, há um déficit de reformas.
Folha - O que falta para que essas reformas aconteçam? O governo demonstra ter maioria no Congresso, pois, mesmo ocorrendo denúncias de compra de votos, está conseguindo aprovar o projeto que permite uma nova candidatura do presidente.
Dornbusch - O presidente foi eleito com um forte apoio popular e poderia ter feito tudo o que quisesse. Mas ele optou por não fazer nada. Isso é desanimador. O presidente não tem tempo a perder no sentido de transformar o Brasil em uma economia aberta, moderna e com crescimento acelerado. Devem acontecer as reformas administrativa e orçamentária, e devem acabar qualquer tipo de restrições comerciais. O problema é que tudo no Brasil vai seguir em círculos, porque o único projeto nacional é a reeleição presidencial.
Folha - O sr. acredita que as reformas só serão feitas após uma eventual reeleição do presidente Fernando Henrique Cardoso?
Dornbusch - Acredito nisso. Eu ficaria surpreso se entre hoje e essa provável reeleição acontecesse alguma grande reforma no país. Não seria o estilo do governo. O país poderia estar crescendo a 8%, mas só está ocorrendo um crescimento de 4%. Isso me desaponta.
Folha - As altas taxas de juro praticadas pelo Brasil atraem investimentos especulativos -o chamado hot-money. Isso não é frágil?
Dornbusch - Não. Acho que isso é um fator de segurança, porque esse hot-money ajuda no resultado final da conta corrente do país. As reservas internacionais são grandes e só se acontecer uma coisa muito ruim para que esses recursos sejam destruídos.
As reservas são tão volumosas que não há ninguém louco o suficiente para fazer um ataque especulativo contra o país. A não ser que o ambiente político mude -por exemplo, a possibilidade de a oposição ganhar as próximas eleições presidenciais.
Folha - O sr. já disse que o real estava sobrevalorizado 40% em relação ao dólar. E hoje?
Dornbusch - A sobrevalorização atual é de 25%. É um problema sensível, porque é preciso manter essa sobrevalorização para proteger as pessoas de um ajuste.

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