São Paulo, domingo, 25 de maio de 1997
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Malhação na matinê

IZABELA MOI

Adolescentes começam a vida sexual cada vez mais cedo, movidos pela curiosidade, sem erotismo ou envolvimento
"Namorei um cara mais velho. Ele queria, mas eu disse não. Começava a ver minha mãe na parede."
Gabriela, 14
"Hoje em dia, chove menina do céu. É só pegar."
Marcos, 16
"Às vezes, a menina agita bastante e, na hora H, dá para trás. Mas só algumas. Elas ficam falando coisas, convidam para ir à casa delas. Lá acontecem umas coisas..."
Daniel, 16
"A hora que você 'fica', você já cola amassando. Vai ficar só no beijinho? Eu não fico..."
Álvaro, 16
Todos os nomes de adolescentes desta reportagem foram trocados para preservar as identidades.
Ricardo, 16, transou pela primeira vez há quatro anos. A menina, sua vizinha, tinha 14. A desculpa para o "encontro" foi jogar videogame. "Fui na casa dela brincar e, de repente, ela começou a tirar a minha camiseta. Aí foi, né...", lembra Ricardo.
Fabiana, 12, deu seu primeiro beijo há dois anos, durante uma sessão do desenho animado "O Rei Leão", de Walt Disney. O menino era "amigo de uma amiga" e não virou namorado.
A esdrúxula mistura de elementos infantis -videogame, desenho- com atos eróticos -sexo, beijo- é sinal da precocidade com que os adolescentes estão começando suas vidas sexuais.
Aos 10 anos, quase todos já deram um "beijo de língua". Aos 13, muitos meninos transam pela primeira vez. A maioria das meninas não é mais virgem aos 16 anos.
"Você está acostumado com selinho e, de repente, vem uma língua. É estranho, você é ingênuo, ainda está brincando com Playmobil," explica Roberto, 17, que beijou pela primeira vez "tarde", com 12 anos.
Algumas escolas já detectaram o fenômeno. Há três anos, o Colégio Oswald de Andrade, no Alto da Lapa (zona oeste), começou um programa de orientação sexual para os alunos da oitava série. Hoje, as crianças da quarta série já recebem noções de reprodução e sexualidade e, a partir do ano que vem, os alunos do segunda série podem ser incluídos.
"As questões aparecem cada vez mais cedo", diz Adélia Pasta da Silva, coordenadora pedagógica do 1º grau. "O assunto das meninas na segunda série é o beijo, enquanto eles ainda brincam de carrinho."
Para além da prematuridade, o que chama a atenção nos depoimentos de 200 adolescentes ouvidos pela Revista é a falta de erotismo. Os jovens "ficam", movidos pela curiosidade ou pressão do grupo -não pelo desejo. Sexo parece apenas uma brincadeira a mais.
O relato de como foram as transas é surpreendentemente frio, descritivo, sem sinal de envolvimento. A palavra "tesão" dificilmente aparece. Cláudio, 13, diz: "Eu passo a mão na bunda, tento chupar o pescoço e, depois, desço pros peitos. Aí, já era." O objetivo é vencer a resistência feminina. "O que rola depende da menina", diz.
Aos 16 anos, Débora "acha" que já transou com uns quatro meninos. O primeiro foi aos 13 anos, seu namorado. "Outro dia, em uma festa, um menino pediu para ficar comigo. Eu fiquei e aí rolou. Sexo é legal", define, sem entusiasmo.
"Eu queria experimentar, saber se era legal como todo mundo falava. Achei interessante, sei lá. Foi a única vez, só para experimentar. Agora, quero que aconteça com um namorado, é melhor", comenta Luciana, 15, aluna do Colégio Augusto Laranja (Aeroporto, zona sul), que transou pela primeira vez no último Carnaval, no Guarujá. O escolhido tinha 22 anos e era irmão de um outro menino com quem Luciana já tinha "ficado". Namorá-lo, nem passou pela sua cabeça, "porque o cara era muito galinha", "paquerava todo mundo".
Olga, 15, melhor amiga de Luciana, também perdeu a virgindade nesse Carnaval. "Eu era careta. Não sei se careta, mas não me interessava por menino. Nunca tinha beijado. Aí surgiu a oportunidade. Ele vai seduzindo você, dando chaveco, você amolece. Conversei muito com ele, disse para ir com calma porque era virgem", conta.
Tatiana, 17, aluna do Colégio Bandeirantes (Paraíso, zona sul), que perdeu a virgindade no ano passado, deixa clara a sua decepção com o sexo: "Esse negócio de mágica, na primeira vez, não existe. Você pergunta: 'Cadê a mágica que me prometeram?' Todos esses filmes estão mentindo", diz.
Mesmo as que continuam virgens dizem que, para "ficar" -no caso, "dar uns amassos"-, não precisa gostar. "Para ficar, não precisa sentir nada pelo menino", diz Adriana, 15, aluna do Colégio Fernando Pessoa (Butantã, zona oeste).
Para essa geração, bombardeada por recomendações de como colocar corretamente uma camisinha, sexo, muitas vezes, se resume à genitália. O beijo, de tão banal, nem conta. "Quando eu fico com alguém, não deixo passar a mão na primeira vez. É muito superficial. Afinal, estou só beijando", diz Maíra, 16, aluna do Bandeirantes.
As meninas costumam fazer listas dos meninos que beijaram. Nas agendas, anotam nome, data, lugar e avaliação: que pode ser um comentário ou nota de zero a dez.
Alexandra, 16, aluna do Colégio Pueri Domus (Itaim, zona oeste) e frequentadora do curso de educação sexual, já "ficou" com 24 meninos. "Se não tiver nota mínima de 8,5, não fico de novo."
No sofá
Uma tarde em uma danceteria na Vila Madalena (zona oeste) ajuda a entender como acontece o processo de "ficar". No sábado, dia 10, cerca de 300 adolescentes, entre 12 e 17 anos, dançavam ao som de música techno, envoltos em fumaça e luz negra. Parecia noite, mas eram 18h30 na matinê da danceteria ONU.
Maquiadas e com roupas justas, as meninas parecem bem mais velhas -a maioria não tem 15 anos. Os meninos, de calças largas e tênis (os bonés são proibidos), disfarçam menos a pouca idade. Todo mundo toma Coca-Cola e muitos fumam Marlboro.
Na pista, em rodinhas separadas, meninos e meninas repetem a mesma coreografia. A aproximação acontece nas mesas, bar ou na carrocinha de cachorro-quente. É quase sempre direta: "Oi, meu nome é fulano. Você quer ficar comigo?"
Se ela aceita, começam os beijos e, alguns minutos depois, o casal vai para os sofás, espalhados pelos cantos mais escuros. Ali, "rolam os amassos", carícias íntimas, sem relação sexual.
Às 22h, acaba a matinê, e eles vão para a porta esperar os pais. Só há troca de telefones "se a menina for muito legal".
Virgens X Usadas
Todo esse laissez-faire sexual não implica uma moral menos machista. A fórmula da adolescência que beira o ano 2000 é misturar um comportamento dos anos 70 com princípios da década de 50.
A psicóloga Rosely Sayão, que trabalha com orientação sexual em várias escolas do Estado de São Paulo, conta que os adolescentes se identificam muito com o filme "Grease, nos Tempos da Brilhantina", aquele musical em que Olivia Newton-John se transforma de uma "boa moça virgem" em uma "garota liberada", movida pelo amor por John Travolta.
"Eu queria usar o filme para discutir preconceitos contra a mulher, mas eles achavam aquele tipo de rótulo normal", diz Rosely.
"Menina certa você namora, e ela não deixa fazer nada", afirma Márcio, 15, aluno do Bandeirantes.
Da mesma idade, Mauro, na porta de um bar sábado à noite na Vila Madalena, define: "Menina de discoteca é serviço completo". Ele transou a primeira vez há dois anos, com uma menina que também tinha 13 e "já era bem rodada".
Não ficar falada é a grande preocupação das adolescentes. "Eles dizem que gostam de você, pedem pra gente deixar fazer isso e aquilo e depois saem falando que a gente já estava no papo", diz Rafaela, 13.
"O negócio é saber fazer", ensina Carolina, 15. "Você pode ficar com quantos garotos quiser. O importante é que eles não sejam da mesma turma."
"Já fiquei com seis, mas procuro não deixar passar a mão porque o pessoal do colégio comenta", afirma Virgínia, 12.
Como nos tempos da brilhantina, existem as certinhas e as que "não prestam". "Outro dia, fiquei com uma menina maior, que paga sapo pra cabeludo (tradução: gosta de meninos de cabelos compridos). Na outra semana, meu amigo disse que ia sair com ela, e eu avisei: vai que é fácil", diz Juliano, 18.
Calça jeans, boné, encostado em um muro na porta do bar Tambores de Jah (Vila Madalena), Filipe, 14, conta que transou com uma menina um ano mais velha. "Conheci num dia, catei no outro, fiquei dois dias namorando e aí pintou. Ela não era virgem, já era usada."
Informação e Saber
Apesar de novos, os adolescentes da geração Aids têm muita informação sobre sexo. Nas entrevistas, eles se apressam em dizer que usam camisinhas, que já foram ao ginecologista e respondem sobre sexo oral ou anal sem titubear.
Segundo as pedagogas, apesar de dominarem o vocabulário, os adolescentes usam pouco as informações na hora do ato sexual. Sabem, por exemplo, sobre anticoncepcionais, mas não usam.
"Muitas dúvidas persistem iguais da quarta à oitava série", diz Adélia Silva, do Colégio Oswald de Andrade. Uma pesquisa na escola mostra que, entre as dúvidas mais frequentes dos alunos da sétima série, encontram-se questões óbvias ("Se eu fizer muito esporte, meu pinto vai diminuir?"), bizarrices ("O que evolui mais rápido nos meninos: a mente ou os órgãos genitais?") e perguntas quase "filosóficas" ("O que a mulher espera do homem no ato sexual?").
Para Rosely Sayão, "informação não significa saber". "Como os dados que eles recebem estão desvinculados daquilo que eles estão vivendo, não adianta muito. A educação sexual nas escolas, em geral, se restringe à anatomia. Não se conversa sobre o que eles estão sentindo e fazendo."
A orientadora educacional de sétima e oitava séries do Colégio Augusto Laranja, Áurea de Oliveira Lima, diz que os medos e tabus acabam contando mais do que as informações no momento da "transa". "Na hora H, o adolescente se pergunta: 'O que eu faço com isso agora'?".
José Fernando, 18, transou pela primeira vez há quatro anos, em uma viagem à praia com a namorada. "Ela era virgem também. Começamos com camisinha, mas depois tiramos. Ficava aquele negócio estranho ali, enchendo o saco", lembra.
Rosely acha que falta aos jovens a noção de limite. "Eles não se privam de nada. Não sabem refrear a curiosidade e brecar os impulsos. Muitos pais têm medo ou culpa de bancar o repressor", afirma Rosely.
A psicóloga vê com pessimismo a precocidade da nova geração. "Até os 16 anos, eles não têm maturidade para a vida sexual. Com 12 anos, ainda se é criança. As transas nem são prazerosas, principalmente para as meninas. Começando assim, como elas estarão, quando forem mulheres?"
Ana Lúcia, 17, tem a resposta: "Depois do colegial, você já se dá muito melhor com o seu corpo, com o corpo do outro. Você gosta de agarrar, passar a mão, de que passem a mão em você. Muda tudo."
Ela perdeu a virgindade há dois anos, em uma viagem aos EUA. Já teve medo de ser chamada de "galinha", mas agora dá "menos importância ao que os outros falam". Com experiência, decreta: "Tem gente que gosta de fumar. Outras, de dar. É a vida."

Dúvidas paternas
(respostas da psicóloga Rosely Sayão)
- Minha filha de 11 anos ficou com um menino em uma festa em que eu estava. O que eu deveria fazer?
Na sua frente, sem constrangimento, sem inibição? Isso merecia um limite educativo. Primeiro que, aos 11 anos, a garota é uma criança ainda. Beijos, mais tarde. Segundo, que ela precisa aprender a ter privacidade em momentos de intimidade. Uma intervenção firme, sem chamar a atenção dos colegas, é necessário.
- Minha filha de 12 anos voltou do acampamento e me contou que as meninas "fugiram" para passar a noite no quarto dos meninos. Devo avisar o diretor da escola?
Mas claro! Aliás, muito me estranha que o responsável por tantas crianças tenha cometido essa falta. A presença dos adultos é sempre necessária para conter certos impulsos dos jovens.
- Meu filho de 15 anos leva a namorada para dormir em casa. Devo deixar?
Depende dos valores das famílias envolvidas. Você não deve permitir algo que vá contra o que você acredita porque suas atitudes são muito mais educativas do que suas palavras. Mas avalie os riscos da sua decisão. Quem acredita que adolescentes de 15 anos são responsáveis, na prática, com a concepção?
- Meu filho de 13 anos pede dinheiro para ir a um bordel. Devo dar?
Só o pai tão adolescente quanto o filho paga esse tipo de conta. Infelizmente, muitos pais nem esperam que o filho peça, vão logo mandando. É esse o tipo de vida sexual que os pais querem para os filhos? Qual o conceito e a visão de sexualidade que está sendo passada nesse tipo de educação?
- Devo dar camisinha para meus filhos? Quando?
Assunto difícil. Os adolescentes precisam ter contato com a camisinha, saber usar. Dar a camisinha pode ter diferentes sentidos: pode significar uma cobrança para o início da vida sexual, uma aprovação ou até uma cumplicidade. Educar para o uso e deixar a responsabilidade de compra com eles talvez seja melhor.
- Meu filho de 12 anos levou dois amigos e duas amigas para o meu sítio. Querem todos dormir no mesmo quarto. Deixo?
Claro que não. Você sabe o que vai acontecer no meio da noite? Não sabe. Nem eles. E você é responsável por essa garotada toda, enquanto eles estiverem por lá. Poupe a criançada de entrar em encrencas desnecessárias.
- Devo tomar a iniciativa de sugerir que a minha filha vá ao ginecologista? Quando?
A melhor maneira de ensinar uma garota a cuidar da saúde sexual é iniciar, junto com ela, a hábito da visita anual ao ginecologista. A primeira menstruação é o melhor momento para isso. A mãe deve acompanhar a garota nas primeiras consultas e sair assim que ela estabelece uma boa relação com o médico.
- Minha filha de 16 anos pergunta se eu acho que ela deve transar com o namorado. O que respondo?
Simples: diga que se ela precisa de sua opinião é porque ainda não tem a dela. Portanto, ainda não é a hora.
- Meu filho de 16 anos está incomodado porque é o único virgem em sua turma. Devo conversar com ele sobre isso?
Se ele der a deixa, deve. Explique que ele não deve transar porque os outros querem, por pressão ou para provar que é homem. A vida sexual só pode ser boa, inclusive para os homens, quando o motivo que o leva é seu, e não dos outros.

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