São Paulo, sábado, 31 de maio de 1997
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Até os que não montam admiram

DANIELA ROCHA
DA REPORTAGEM LOCAL

É difícil encontrar diretores de teatro que declaram abertamente não querer montar textos de Nelson Rodrigues, mas William Pereira, 34, é um deles.
"Sou talvez o único a dizer isso", afirmou ele. Dois outros diretores de renome nunca montaram Nelson Rodrigues -Cacá Rosset e José Celso Martinez Corrêa-, mas eles não são categóricos em afirmar que não montariam.
Zé Celso até confessou estar seduzido a montar pela primeira vez, em 40 anos de carreira, um texto do dramaturgo.
Um saco
Apesar de afirmar ter a "maior admiração por Nelson" e de considerá-lo o "maior dramaturgo do país", Pereira diz que não o interessa montar textos rodrigueanos. "Até gosto das tragédias cariocas dele, mas as peças míticas eu acho um saco", disse.
No entanto ele faz uma ressalva: dirigiria " A Falecida" ou "Toda Nudez Será Castigada" se esses textos virassem ópera. "Se algum compositor tivesse coragem de musicar esses textos, dirigiria. Em ambos existe uma força das palavras que me causa certo estranhamento, mas que ganharia colorido e impacto diferente se fossem cantados. Dariam excelentes libretos."
Para Pereira, Nelson tem uma importância histórica. "Antes dele, os textos remetiam ao português de Portugal. Nelson Rodrigues foi o primeiro a levar a linguagem do Brasil ao palco."
A última montagem dirigida por Pereira foi de "Luzes da Boemia", de Valle-Inclán, com alunos da Escola de Arte Dramática, no ano passado. A peça tinha mais de três horas de duração. "A EAD é um dos poucos espaços que existem para pesquisa de novas linguagens em teatro sem a preocupação de retorno de público."
Zé Celso
Zé Celso, diretor do Oficina, nunca montou Nelson Rodrigues em cerca de 40 anos de carreira teatral. Ele explica suas razões: "É muito perfeito, muito exato. Nelson Rodrigues é um clássico que não poderia ser montado sem muita interferência. É dificílimo. Não sei se seria capaz de fazer."
Mas, a partir desta semana, ele estará coordenando com seu grupo, o Uzyna Uzona, uma série de leituras, entre elas, de textos de Nelson Rodrigues.
"Começo a me sentir seduzido a fazê-lo pela primeira vez. Quando leio seus textos sinto a respiração, gozo em cada palavra, cada sílaba. Ele tem que entrar na minha veia. Já fiz isso com Shakespeare, Eurípides, Oswald e Artaud. Por que não com Nelson ?!?"
Para ele, as montagens de textos de Nelson Rodrigues que vêm sendo realizadas buscam um caminho que ainda é muito acadêmico. "Nelson Rodrigues tem essa conotação de ser o Shakespeare brasileiro, e isso resulta em montagens que são escolares."
Zé Celso afirma que o texto de Nelson que mais o atrai é "Perdoa-me por me Traíres".
Já Cacá Rosset diz que "tem tesão" por textos de Nelson Rodrigues enquanto leitor e espectador, mas não enquanto encenador. "Posso até ser alvejado por dardos, mas não me interessa montar Nelson Rodrigues apesar de o considerar um dramaturgo excepcional."
Cacá está no momento traduzindo o texto " O Avarento", de Molière, sua próxima montagem com o grupo Ornitorrinco.
(DR)

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