São Paulo, sábado, 31 de maio de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

O veneno da política

CLÓVIS ROSSI

São Paulo - Comecei tarde, já com uns 20 anos de profissão, a fazer cobertura intensiva de política interna brasileira. Antes, ou era chefe ou fazia principalmente coberturas internacionais.
Foi só na Folha, assim mesmo após retornar de um período de três anos como correspondente em Buenos Aires, que me castigaram com a política.
Entrei no assunto, já quarentão, com o frescor da virgindade, certo de que os políticos de um mesmo partido eram todos "unidos e coesos". Talvez reflexo das ordens do dia do período militar, então agonizante, que sempre falavam na coesão da tropa, embora os generais (e os coronéis) se comessem entre eles.
A ilusão durou apenas algumas horas, até porque a primeira missão continuada que recebi foi cobrir a disputa no PMDB para indicar o candidato a prefeito de São Paulo em 1985, na primeira eleição direta após 20 anos.
Descobri que o melhor local para ouvir críticas ao PMDB era a sede do próprio PMDB, na época um casarão no Paraíso. Também pudera: quase todos os grandes caciques paulistas, tirando Maluf e os petistas, eram então do PMDB.
Antes, já havia aprendido que, como os mineiros só se unem no câncer (conceito que, salvo erro de memória, é de Otto Lara Resende), a esquerda não se une nem na prisão.
Agora, vê-se que a esquerda tampouco se une na desgraça. Bastou alguém sacar uma denúncia contra o PT para que a guerra civil no partido se despisse dos conceitos ideológicos para virar punhaladas pelas costas, venenos derramados nos copos de vinho ou cerveja e assim por diante.
Não é muito diferente do que ocorre em outros países, embora, no Brasil, o sistema eleitoral, com voto nominal e não partidário, agrave as coisas. É um modelo que força a antropofagia em cada partido.
E os sobreviventes ainda querem que se acredite que a política é a arte de buscar o bem comum.

Texto Anterior: "PUEBLADAS" ARGENTINAS
Próximo Texto: Pacote completo
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.