São Paulo, domingo, 1 de junho de 1997
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Amigo de Lula defende trabalho da Cpem

CLEUSA TURRA
Secretária-assistente de Redação
MARCIO AITH

CLEUSA TURRA; MARCIO AITH
DA REPORTAGEM LOCAL

Roberto Teixeira diz que errou ao emprestar casa ao petista e conta como os dois se aproximaram

Durante quatro horas, o advogado Roberto Teixeira, 53, amigo de Lula (presidente de honra licenciado do PT), em entrevista à Folha, se defendeu das acusações de corrupção por suposta arrecadação ilegal de recursos para o partido.
A denúncia partiu de Paulo de Tarso Venceslau, ex-secretário de prefeituras petistas. Ele acusa Teixeira de pressionar prefeituras do PT a contratar a Cpem (Consultoria de Empresas e Municípios).
Por meio de contratos sem licitação, a empresa repassaria parte de seu ganho para o PT.
Calmo e bem-humorado, Teixeira rebateu as críticas, contou como se tornou amigo do líder petista e admitiu que foi um erro emprestar sua casa para Lula morar.
*
Folha - Como e quando o sr. conheceu o Lula?
Roberto Teixeira - Em 81, quando eu e outros advogados de São Bernardo do Campo ingressamos no PT. Me filiei em 82. Depois, na militância, vim a conhecer o Lula.
Folha - Como evoluiu a amizade até ele passar a morar numa casa cedida pelo sr.?
Teixeira - Quando ingressei no PT eu era presidente da OAB (Ordem dos Advogados) de São Bernardo. Na época era muito difícil uma pessoa com o nível de presidência da OAB entrar no PT.
E como sempre fui um advogado conhecido, comecei a fazer uma série de trabalhos jurídicos para o PT. Exemplo: organização da documentação necessária para o registro dos primeiros candidatos ainda nas eleições de 82.
E a partir daí, evidentemente, tinha contato com a cúpula do diretório municipal. Estava a todo instante trabalhando no "métier" (profissão) que eu conheço, e aprendendo o direito eleitoral.
Folha - De quem foi a idéia de ceder a casa a ele?
Teixeira - Estamos pulando de 82 para 89. Depois de 82 teve um período em que a legislação não permitia apelidos. Como o Lula era conhecido por esse apelido, houve necessidade de adicionar ao nome dele o apelido.
Uma das minhas obrigações foi essa. A partir daí comecei a me encontrar com o Lula várias vezes. Nos tornamos amigos. Nos contatos das reuniões petistas, minha família se tornou amiga da dele, e surgiu uma amizade, que culminou com a solicitação dele para que eu apadrinhasse seu filho.
É um fato que me orgulha, mas que na verdade nos trouxe muitos problemas. E como no PT o Lula é uma pessoa idolatrada, isso gerou uma série de ciúmes.
Folha - Isso porque você virou o "compadre" do Lula?
Teixeira - O Lula é pernambucano. O nordestino empresta a essa relação familiar um valor enorme. Ele considera o padrinho um segundo pai. Se algo acontecer a ele (ao pai), quem tem a incumbência de criar o afilhado é o padrinho. Isso para ele é muito importante. O que dá a impressão que houve qualquer tipo de interesse -coisa que não houve. O Lula tem outros três compadres, metalúrgicos, pessoas modestas, e infelizmente ninguém quis saber quem são. O fato é que o Lula teve um crescimento político muito grande e culminou com a campanha de 89, da qual todos participamos. Em dado momento, o comando da campanha, a pedido da direção nacional do PT, solicitou que fosse encontrado um imóvel em São Bernardo para o Lula se mudar.
Folha - Questão de segurança?
Teixeira - Sim. O imóvel onde o Lula morava era uma esquina. Tem alguns episódios que são contados, de invasão da casa. Inclusive por jornalistas. Chegaram a pular o muro e entrar dentro da casa.
Como o Lula foi sempre muito liberal, as pessoas não tinham nenhuma inibição. O Lula tinha o costume de sentar-se numa cadeira para atender o telefone e ficar de costas a menos de dois metros da rua. Se uma pessoa quisesse atentar contra a vida dele era só pegar um paralelepípedo e jogar pela janela.
E ele teria feito o que muitos queriam -eliminar o Lula. Um tiro poderia servir a muita gente. Então, me pediram, porque eu era de São Bernardo, que eu encontrasse um imóvel.
No início pensamos em dois ou três imóveis. Até que eu disse o seguinte: "Tenho uma casa que eu acho que resolve a questão e que está fechada há mais de dois anos".
Uma casa que eu havia construído nos anos de 70, 71. E havia mudado dois anos antes. Aí vai um detalhe: o Lula se opôs. Ele entendia que não devia mudar e todos diziam: "Isso é um absurdo". E a verdade é que o Lula não se mudou. Nós é que mudamos, o comando da campanha, a família. Ele viajou para o Ceará e disse: "Não vou me mudar". Quando voltou, as coisas todas estavam na outra casa, e ele já estava mudado.
Foi assim que o Lula foi para lá. Por responsabilidade do PT. Ele não pediu. Era contra. Não queria. Folha - Por que de graça, cedido?
Teixeira - No início pensávamos que seria por um breve período. Iríamos esperar as eleições. E as coisas se acomodaram depois. Eu não havia pensado em locação naquele instante porque a casa estava parada. Eu estava cedendo e se imaginava, porque a expectativa era de ganho (das eleições), que seria por um período.
A partir dali, quando tivemos o resultado negativo, já se sabia que o Lula seria candidato em 94. E aí faço uma crítica ao partido porque, quer queira quer não, hoje constatamos que isso criou um constrangimento tão grande para o Lula e muito grande para mim.
E ao longo desse tempo o partido se calou. Quantos dirigentes fizeram críticas veladas, mas ninguém pensou em propor ao partido que solucionasse o problema.
Teria sido muito simples o PT me procurar para estabelecer uma locação. Para que a relação se tornasse normal, evitando este constrangimento para o Lula. Poderia ter sido feito, e não foi feito.
E, de minha parte, eu também não teria como, até por causa da minha amizade pessoal, constranger o Lula com uma proposta dessa. Não me move o interesse econômico, imobiliário, da locação.
Mas foi um erro, e esse erro foi inicialmente criado pelo partido. O Lula era inocente. E ele teve, ao longo desses anos todos, de se justificar, fazendo contorcionismos de linguagem.
Folha - Você não teria abertura para conversar com o Lula?
Teixeira - Não.
Folha - Não é muita ingenuidade para um partido...
Teixeira -Também fui omisso. Confesso que nunca cheguei a uma consciência bem clara dessa dificuldade. Porque poderia ter até instado pessoas a começar a levantar uma questão... Me senti absolutamente decente e honesto nos meus propósitos tanto quanto o Lula. Nos parecia que tomar qualquer outra atitude teria sido sucumbir a críticas. As críticas maiores eram internas.
Folha - Hoje, o sr. faz um balanço de que vocês erraram?
Teixeira - Foi um erro coletivo. Um erro do partido, um erro meu, a despeito de que volto a dizer: "Não há nessa relação nenhuma reprovação". Talvez tivesse faltado a malícia de bem colocar a questão sabendo que as pessoas poderiam ter um entendimento diverso.
Folha - Vocês já conversaram agora sobre o que fazer?
Teixeira - Não. Tomei uma cautela de oficiar o PT para esta situação solicitando que cuidem disso.
Folha - O sr. foi advogado do ex-prefeito de Diadema José Augusto Ramos numa ação na qual se julga se a Cpem deveria ou não prestar serviço sem licitação. Seu irmão advogava para a Cpem no mesmo processo. Isso é verídico?
Teixeira - É. Eu sempre estive meio à disposição dos companheiros do PT. Eu dei assistência ao Zé Augusto quando ele pretendeu impugnar a candidatura do Gilson Menezes (ex-prefeito de Diadema). Eu era o advogado que fazia esse tipo de ação. Mais tarde, o Ministério Público moveu uma ação contra essa firma e o Zé Augusto pediu para eu patrocinar a causa. Folha - O seu irmão assessorou a Cpem nesse caso?
Teixeira - Isso é descobrir a pólvora. Meu irmão, foi dito desde o início, foi advogado da Cpem. E se ele é advogado da empresa, é muito natural que exista alguma procuração dele nos autos. Mas quem está fazendo realmente a defesa da Cpem nesse processo é o escritório do professor Arruda Alvim.
Folha - O sr. construiu sua carreira em São Bernardo. Foi exatamente nessa região que se iniciaram as contestações dos municípios ao índice de repasse do ICMS, na década de 80. O sr. teve alguma participação nesse processo?
Teixeira - Não cabe a mim responder a questões técnicas. Eu sei que São Bernardo teve sempre um corpo de fiscais altamente competentes. Há muitos anos, uma pessoa de nome Mauro Curvello arregimentou e treinou um grupo de pessoas. Ele tinha o 4º ano primário, mas era brilhante.
O grupo virou uma referência nacional. Ele criou uma empresa para poder terceirizar essa capacidade. E depois funcionários dele foram montando empresas. Quase a totalidade de empresas que prestam esse tipo de serviço foram formadas por pessoas que trabalharam ou aprenderam com o Mauro.
Folha - A Cpem é uma delas?
Teixeira - O meu irmão Dirceu foi por 20 anos funcionário desse departamento em São Bernardo. Foi um técnico que aprendeu com o Mauro. O rapaz que teria montado a Cpem também foi funcionário desse setor e durante muito tempo foi subordinado ao Dirceu.
Folha - No que consistia a tecnologia do Mauro?
Teixeira - Ele era capaz de, qualquer que fosse a legislação, otimizar ao máximo a arrecadação. A legislação tributária é dinâmica, muda muito. Estou em São Bernardo desde 48, sou advogado, não sou neófito (novato). Tenho de conhecer essas questões gerais.
Folha - Quando o PT vai para as prefeituras, defende uma administração transparente. O que parece estranho é o PT contratar empresas sem licitação. Pode até haver uma discussão legal a respeito da necessidade da licitação. Do ponto de vista moral, não seria mais correto promover uma licitação?
Teixeira - Não tenho razão para entrar nesse assunto. Mas posso dizer que se a prefeitura tem um instrumento para poder incrementar a sua arrecadação, e isso tem um tempo curto para que possa ser realizado, acho que o governo municipal cumpriu sua função.
Folha - Mas ele repassa para uma empresa privada, como taxa de sucesso, 20% do incremento. Não parece estranho? A própria prefeitura não poderia fazer o serviço? Pelo que o sr. falou, os próprios quadros da prefeitura conseguiram otimizar a arrecadação. Ou não?
Teixeira - São Bernardo é uma exceção. Lá o grupo era altamente especializado. Mas evidente que, quando o meu irmão me procurou, colocou os parâmetros gerais. Quais eram os parâmetros? Primeiro, há um período curto de realização do serviço. Se não você perde. Eles diziam que estavam dispostos a promover esse trabalho após o dos técnicos da prefeitura. É como se você estivesse garimpando o trabalho feito pela prefeitura. E sobre isso é que a empresa entrava no resto, do que sobrou do trabalho da prefeitura.
Folha - Isso estava no contrato?
Teixeira - Que eu saiba era disposição contratual. Não entrei no mérito. Essas coisas são um calhamaço. A empresa trabalhou para mais de 300 municípios. Cerca de 90% dos municípios trabalham exatamente daquela forma e com contratos idênticos. E tem sete ou oito empresas fazendo isso, a quase totalidade sem licitação.
Por quê? Havia uma deliberação do Tribunal de Contas dizendo que era passível de contratação, e a dispensa ou não segundo a notória especialização e singularidade.
Depois, o tribunal criou uma súmula entendendo que não era passível de contratação. A súmula foi mudada agora. Acabo de me valer de uma dessas sentenças, mostrando que o relator da anterior reviu sua posição dizendo: "Me enganei, todas as prefeituras necessitam desse trabalho".
Folha - Como o seu irmão lhe pediu que procurasse o Lula para expor o serviço da Cpem?
Teixeira - O meu irmão me procurou dizendo que poderia aumentar a arrecadação. Na época as prefeituras reclamavam da falta de recursos. Eu disse a Lula: "Meu irmão, que advoga para uma firma, está propondo um trabalho...", e foi dito a ele essas questões básicas. E ele (o Lula) disse: "Ele que encaminhe para todas as prefeituras".
Folha - Em sua nota, o sr. disse que não houve pressão.
Teixeira - Jamais houve qualquer tipo de pressão. Não houve uma espécie de blitz. Foi eventual. Meu irmão ligava e dizia: "Olha, quem você conhece lá". Aí eu dizia: "Procura fulano de tal, que é meu amigo". Dessa forma, simples e diluída no tempo e no espaço.
Folha - Mas não lhe parece que a pressão estava implícita? O sr. não acha provável que um prefeito do PT que recebesse um telefonema seu fosse achar que havia pressão do PT? O Lula mora em sua casa, o sr. é "compadre" dele.
Teixeira - Não. Primeiro eu acho que a expressão compadre está sendo usada pejorativamente. Compadre não é título. Sou um profissional importante no meio e não iria me valer de uma forma tão tosca e ignorante. Tem tantos negócios que giram, valiosíssimos, será que eu seria ignorante para me valer do prestígio para uma coisa tão ignorante? Em Diadema, a Cpem teria recebido R$ 200 mil. Você acha que seria suficiente para fazer uma distribuição?
Folha - Foi o valor que deputados teriam recebido para votar a favor da reeleição...
Teixeira - (rindo) Mas lá era líquido.

LEIA a continuação na pág. 1-8

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