São Paulo, domingo, 1 de junho de 1997
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Para OIT, globalização precisa de regras

ROGÉRIO SIMÕES
ENVIADO ESPECIAL A CARTAGENA

A globalização da economia é um processo benéfico que não ameaça a oferta de emprego no mundo, desde que as relações econômicas não sejam regidas simplesmente pelo mercado.
Essa é a opinião do belga Michel Hansenne, 57, diretor-geral da OIT (Organização Internacional do Trabalho), agência da ONU responsável por encontrar soluções para os problemas ligados ao trabalho no mundo.
No 1º Encontro Ibero-americano pela Erradicação do Trabalho Infantil, na cidade de Cartagena de Indias (Colômbia), no último dia 9, Hansenne concedeu entrevista exclusiva à Folha em que rebateu a idéia de que as novas tecnologias têm efeitos negativos sobre a oferta de emprego.
"A economia globalizada promove oportunidades aos países em desenvolvimento", disse.
Durante o evento, ele voltou a divulgar publicamente a intenção da OIT de lutar contra as atuais formas de trabalho infantil mais intoleráveis, como a prostituição ou o tráfico de drogas.
Para Hansenne, o mundo vive hoje o desafio de oferecer mais empregos sem, entretanto, abrir mão de sua qualidade.
Leia os principais trechos da entrevista.
*
Folha - O senhor acredita que o mundo hoje está mais consciente dos problemas ligados ao trabalho, como o do trabalho infantil?
Michel Hansenne - Eu acho que o que preocupa mais os governos é o problema do desemprego e como enfrentá-lo dentro do contexto de uma economia globalizada.
Isso é claramente a maior preocupação de quase todos os governos do mundo. O problema, para nós, é tentar encontrar soluções sem destruir ou reduzir a proteção aos trabalhadores.
Isso significa que o que precisamos fazer é tentar encontrar o melhor equilíbrio entre mais empregos e melhores empregos.
E eu tenho a impressão que, exceto por algumas questões específicas, como o trabalho infantil, há mais preocupação quanto ao desemprego do que em oferecer bons empregos.
Folha - Com a globalização, é mais fácil espalhar a idéia de mais e melhores empregos?
Hansenne - Acho que sim. Considerando a situação de muitos países em desenvolvimento: eles enfrentaram, por muitos anos, um enorme problema de desemprego. Essa nova economia globalizada está promovendo várias oportunidades para eles.
Folha - O senhor é otimista quanto aos efeitos da globalização.
Hansenne - Eu sou otimista, mas, como na história passada, nós não podemos deixar o mercado sozinho. O mercado global é um sistema muito sofisticado, não é simplesmente a lei da selva. O que é importante fazer agora é tentar estabelecer, a nível internacional, algumas regras do jogo, incluindo questões sociais.
Folha - Nesse cenário, como é possível para países com alto desemprego, como alguns na Europa, lidar com esse problema?
Hansenne - A questão para a Europa é como elevar o crescimento econômico. E o principal problema para os europeus são os resultados do mercado comum, mais do que a questão da economia globalizada, que, para eles, é mais um problema para o futuro.
Folha - Na sua opinião, quais são os reais efeitos das novas tecnologias sobre a oferta de emprego?
Hansenne - Até agora, não há razão para imaginar que as novas tecnologias significam o fim do trabalho. O que é claramente um problema hoje é que, com essas novas tecnologias, você está aumentando os níveis de desigualdade entre as pessoas.
Você não tem menos ofertas, mas sim uma tremenda diferença entre bons empregos, bem pagos, para pessoas operando a um nível internacional, e trabalhos ruins, mal pagos, para os que lidam com o mercado local.
Folha - Por que os EUA têm conseguido manter a inflação baixa sem elevar o desemprego?
Hansenne - Por muitos anos, as pessoas imaginaram que a alternativa era mais empregos, mas empregos piores. Mas está claro, se você pegar os últimos números dos EUA, que eles têm sido capazes, nos últimos dois anos, de aumentar o número de ofertas e a qualidade do trabalho. Mas não há uma resposta simples, não há uma solução única.
Folha - Os EUA são um bom exemplo para os outros países? O nível de emprego está baixo, mas o país não tem tantas obrigações trabalhistas...
Hansenne - Há a idéia, em todo o mundo, de que, se a Europa não está indo bem, é porque os europeus têm muitas leis trabalhistas.
Nós fizemos um exame bastante cuidadoso e não vimos nenhuma clara evidência disso. O número de leis trabalhistas nos EUA sempre foi menor que na Europa, mas o desempenho (norte-americano) era o mesmo ou, em alguns casos, o europeu era melhor. Isso não significa que não há nada para mudar na Europa. Está claro que a Europa tem de ser mais flexível.
Folha - O senhor diria que a situação atual mostra que é o fim do "welfare state" (Estado de bem-estar social)?
Hansenne - Não. Estamos falando aqui de coisas diferentes. Primeiro, de uma sociedade regulada por negociações, discussões entre empregadores e trabalhadores. Não há razão para considerar que esse modelo se foi, que não é mais útil; eu acredito que devemos mantê-lo.
A segunda dimensão do que chamamos o "welfare state" é uma grande proteção social. É claro que, por muitas razões -o aumento da média de idade da população em muitos países europeus, por exemplo-, o sistema de previdência social está em crise.
Não há por que imaginar que o "welfare state" é impossível, mas isso não significa que temos de manter o "welfare state" construído nos anos 50 e 60. Isso é história. O objetivo para a Europa é tentar imaginar o novo "welfare state" de que precisa.
Folha - A onda de privatizações chegou à América Latina. Na sua opinião, quais os efeitos da privatização sobre o emprego?
Hansenne - A questão é a seguinte: levando em consideração uma economia globalizada, muitos países latino-americanos perceberam que as empresas estatais não eram competitivas o suficiente para atingir as exigências dessa nova economia.
Então, acreditaram que seria melhor privatizá-las para encontrar recursos e aumentar a competitividade de algumas indústrias. É um problema que tem de ser visto caso a caso, não há uma resposta.
Folha - Uma questão que se discute muito é a da redução das jornadas de trabalho ou do número de dias trabalhados na semana. O senhor acha que é uma boa saída?
Hansenne - De novo, é uma questão que tem de ser discutida país a país. As partes devem discutir se, com os resultados de sua economia, devem aumentar salários ou trabalhar menos.
Folha - O senhor acredita que o novo mapa mundial, com os mercados comuns, significará um crescimento econômico mais rápido? O senhor é otimista quanto aos agrupamentos regionais?
Hansenne - Em muitos desses novos agrupamentos, eles estão tentando organizar não apenas mercados comuns, mas também criar novas regras para o jogo. O que é importante é organizar esse mercado global, mas levando em consideração não apenas a competição e o poder do mercado. Essa organização regional talvez seja a melhor maneira de fazer isso.
Folha - Apesar da vitória do capitalismo neste fim de século, o senhor acha que o Estado ainda tem importante papel na economia?
Hansenne - Eu diria que mais do que nunca.
O jornalista Rogério Simões viajou a Cartagena a convite da Avianca

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