São Paulo, domingo, 1 de junho de 1997
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Conflitos políticos afetam comunicações globais

GILSON SCHWARTZ
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Atenção para a agenda a seguir.
Impedir a entrada de estrangeiros sem contrapartidas. Obrigar as empresas do setor a subsidiar a informatização de escolas e bibliotecas. Criar políticas de tarifação que permitam o atendimento a áreas rurais ou de menor densidade, o chamado "serviço universal". Obrigar as empresas privadas a disputar cada pedaço de frequência eletromagnética em leilões que engordam o caixa do governo. Interferir na programação das emissoras de rádio e televisão.
Obviamente se trata da agenda governamental de algum país em desenvolvimento, com fortes inclinações populistas e xenófobas, uma tendência autoritária à censura dos meios de comunicação e com receio de liberalizar totalmente os mercados, certo?
Ou saiu de uma entrevista do ministro Sérgio Motta, que anunciou na semana passada a implementação até agosto da Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações)?
Nenhuma das alternativas anteriores. Essa é a pauta de Reed Hundt, o "chairman" da Federal Communications Commission (FCC), o órgão que há 60 anos supervisiona as comunicações nos EUA. Na semana passada, Hundt anunciou que está deixando o cargo para dar mais atenção à sua filha de oito anos, escrever um livro de ficção e uma obra de não-ficção, intitulada "You Say You Want A Revolution" (referência à canção de John Lennon).
A gestão de Hundt, amigo de escola de Al Gore, vice de Clinton, se não foi revolucionária é ao menos reconhecida, por amigos e inimigos (republicanos), como a mais agitada na história da agência.
Lei emperrada
A lei geral de telecom dos EUA saiu no ano passado, mas a quantidade de aspectos que ainda dependem de regulamentação é enorme. As batalhas no Judiciário, que há anos caracterizam o cotidiano da agência, devem aumentar.
Hundt ganhou várias, obrigando por exemplo as redes de televisão a veicular um mínimo de programas educativos para crianças.
Outra batalha ganha, para revolta de muitos empresários do setor, foi a luta por serviço universal subsidiado e sobretudo pela arrecadação de fundos para implantar a Internet em escolas e bibliotecas.
Há duas semanas, o responsável pela área internacional da FCC, Peter Cowhey, participou de uma videoconferência na Câmara Americana de Comércio de São Paulo, com apoio da Folha. Questionado sobre o conceito de serviço universal, Cowhey recomendou ao Brasil a mesma estratégia dos EUA: estimular a concorrência, mas garantir fundos públicos para aumentar a oferta de serviços em áreas rurais ou em escolas.
A área internacional da FCC, aliás, é outro reduto de posições que provocariam suspeitas de protecionismo se aplicadas no Brasil.
Há duas semanas, a FCC (com apoio de outras agências como os departamentos de Comércio e do Estado) reafirmou o bloqueio à entrada das japonesas KDD e NTT no mercado de longa distância.
Além de exigir mais transparência nas compras das empresas japonesas, os EUA atacam o limite de 20% à participação estrangeira nessas empresas.
Cowhey também faz questão de sublinhar a importância da independência da agência reguladora e da disponibilidade de recursos para sustentar uma equipe de especialistas no assunto.
O objetivo de longo prazo da FCC, entretanto, não é apenas garantir serviço universal ou interferir no conteúdo veiculado pelos meios de comunicação, mas principalmente estimular a concorrência entre as empresas locais e de longa distância, ao mesmo tempo em que articula um pacto global em telecomunicações (via Organização Mundial do Comércio) que deve trazer a maior queda de tarifas em chamadas de longa distância da história da telefonia. Por acordo com os europeus, já em 1998 a redução vai começar.
Nesse mundo de regras em aberto, ter escala será a alma do negócio. Mas agências reguladoras, como o FCC (com ou sem Hundt), afetarão o ritmo, a direção e os custos da revolução na telecomunicação. Pois, como dizia Lennon, todos querem mudar o mundo.

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