São Paulo, segunda-feira, 2 de junho de 1997
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A multa e a estabilidade

ADIB SALOMÃO

Há um assunto em efervescência relacionado à denominada multa de inadimplência de obrigações decorrentes de contrato de prestação de serviços educacionais. O problema merece exame sob o prisma jurídico e ético. Farei o exame jurídico de forma sintética. Para tanto, é importante analisá-la de dois ângulos.
Em primeiro lugar, a lei 9.298/96, que alterou o artigo 52 do Código de Defesa do Consumidor, modificando o limite das multas de 10% para 2%. Evidente que tal alteração só é válida nos casos regulamentados pelo Código de Defesa do Consumidor, no qual não se incluem as multas decorrentes de contratos de prestação de serviços educacionais, de planos de saúde, de condomínios e outros, resultando, portanto, que tal modificação seja inaplicável a esses setores.
Mas, mesmo que se desejasse universalizar a aplicação daquele princípio, isso só poderia ser feito em contratações futuras, nunca em contratos vigentes -em respeito ao ato jurídico perfeito e ao direito adquirido. A multa prevalente é a inclusa nos contratos, tanto pelo fato de a lei não enquadrá-los, como também pela vigência de contrato perfeito e acabado.
O outro ângulo é o ético. A pergunta que se costuma fazer é sempre a mesma: como, num país de economia estável, com inflação anual inferior a dois dígitos, pode-se aplicar uma multa, por qualquer período de atraso, à escorchante taxa de 10%?
Aqui convém esclarecer: multa contratual nada tem a ver com a estabilidade financeira, que está refletida na atualização e na remuneração financeira, na manutenção dos valores constantes e nos juros remuneratórios do capital.
A multa, por sua vez, é um ato punitivo decorrente do não-cumprimento das cláusulas contratuais que regulam a data de pagamento e os valores das parcelas a serem pagas.
Enfocando, de forma direta, a sistemática de funcionamento da escola particular, percebe-se que, no que se refere a preço de anuidade, por se tratar de ensino ministrado de forma coletiva, os valores fixados são resultado da divisão dos custos pelo número de alunos.
Basta um deles deixar de pagar para acarretar reflexos não apenas no aspecto financeiro, como também em várias outras atividades. O não-pagamento rompe o equilíbrio da relação entre todos. O aluno inadimplente provoca uma situação de risco aos adimplentes.
O artigo 1.061 do Código Civil deixa bem claro a separação entre a cláusula penal e a cláusula moratória. Enquanto esta é compensatória, aquela é punitiva.
A multa, a rigor, não tem limites. Seu objetivo é compelir o devedor a cumprir suas obrigações. O Código Civil frisa a importância desse aspecto ao admitir, em seu artigo 920, que o valor da multa "não pode exceder o da obrigação principal". Isto é, o limite de 100%, aliás, o que é adotado nos processos fiscais.
A multa tributária tem exatamente o mesmo sentido -impedir o incentivo ao não-pagamento. É importante que os órgãos de defesa do consumidor entendam que a insistência em confundir multa com inflação ou estabilidade constitui um evidente incentivo ao calote.

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