São Paulo, quarta-feira, 4 de junho de 1997
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Há potencial para jogo mais refinado

JOHN CASTI
DA "NEW SCIENTIST"

O jogador amarelo intercepta a bola laranja, que rebate na tábua que cerca o campo, enquanto o goleiro azul dá um passo adiante para impedir o atacante de fazer o gol.
Mas, em vez de chutar para o gol, o centroavante passa a bola a seu companheiro que sobe pelo lado esquerdo do campo. Ele se esquiva do goleiro e coloca a bola na rede.
É o primeiro gol do time amarelo do Newton Labs, de Seattle, num jogo que acaba numa vitória esmagadora sobre a equipe Soty, da Coréia do Sul, que sofreu uma goleada de 20 a zero na final da primeira Copa do Mundo de Futebol Microrrobô, em novembro passado.
O campeonato de futebol de robôs, conhecido como Mirosot, foi criado por Jong-Hwan Kim, seus colegas e alunos do Kaist.
Eles esperam que o futebol vire uma pedra de toque capaz de estimular a arte da construção de robôs, mais ou menos como o xadrez impulsiona as pesquisas com inteligência artificial.
Controle e autonomia
Cada time tem apenas três jogadores robôs. No torneio, a grande diferença entre as equipes foi o grau de autonomia que cada uma deu a seus robôs.
Todos, menos dois dos grupos de pesquisadores, optaram pela descentralização.
Os controladores (computadores) transmitiam a seus robôs apenas dados relativos ao posicionamento dos adversários, permitindo que as máquinas procurassem a bola por conta própria. Os robôs portavam sensores para ajudá-los a evitar colisões com outros robôs.
Uma das exceções foi o time do Newton Labs, que optou por uma abordagem mais centralizada.
Seus robôs eram totalmente destituídos de "cérebro", e o controlador fora do campo ditava seu comportamento totalmente, dizendo a eles para onde ir e a que velocidade. Os robôs não tinham sensores para evitar colisões.
Assim, a partida não opôs adversários em pé de igualdade -também havia um "conflito de gerações" em jogo, entre as velhas estratégias centralmente planejadas e o início de uma estratégia mais ambiciosa de deixar que os robôs tomem suas próprias decisões.
Sistemas adaptáveis
Para mim, o ponto teórico interessante dessa experiência é que o futebol constitui um exemplo clássico daquilo ao qual chamamos sistema complexo adaptável.
Trata-se de sistemas compostos de um número medianamente grande (até algumas centenas de milhares) de chamados "agentes", que são inteligentes e adaptáveis. Isso significa que atuam com base em regras e que são adaptáveis à medida que podem mudar as regras ou inventar regras novas, quando vêem que as velhas não estão funcionando.
Outros bons exemplos de sistemas desse tipo são os mercados financeiros, os sistemas imunológicos e as redes de trânsito rodoviário, nos quais os agentes são, respectivamente, corretores de ações, moléculas e motoristas.
Juntamente com o evento esportivo houve um simpósio repleto de discussões técnicas das abordagens utilizadas pelas equipes concorrentes para conseguir que seus robôs jogassem um bom futebol.
Questões teóricas
Os problemas se dividiam em três áreas principais.
Em primeiro lugar, havia os problemas puramente mecânicos -por exemplo, como mover os robôs pelo campo e conseguir que mudassem de direção rapidamente, acompanhando o rolar da bola.
Em segundo lugar, os problemas "sensoriais", que diziam respeito principalmente a enxergar a bola e os outros jogadores.
Finalmente, havia os problemas estratégicos associados ao processamento de informações sobre a partida e o esboço de estratégias e táticas sensatas, capazes de assegurar a vitória no jogo.
Pobreza energética
Uma dificuldade que todas as equipes enfrentaram foi a do que se poderia chamar problema da pobreza energética.
A potência necessária para operar a mecânica do robô é considerável, e cada robô tem de carregar sua própria fonte de energia.
Em vista dos limites da tecnologia existente de baterias, cada tempo das partidas do Mirosoft era limitado a cinco minutos.
Essas limitações tecnológicas fazem da arbitragem de uma partida de futebol de robôs uma experiência rica tanto em humor quanto em frustração.
Os sistemas de visão dos robôs muitas vezes são trocados por informações e tendem a se confundir com determinadas cores, levando os jogadores a chutar a bola para seu próprio gol.
Em outros momentos, os goleiros assistem, imóveis, à bola rolar para o fundo da rede. E, se o juiz seguisse as regras do jogo à risca, o número de laterais e de pênaltis (provocados por colisões robóticas) iria diminuir demais o ritmo do jogo. As regras tiveram de ser flexibilizadas.
Fase risível
Por ora, portanto, o futebol de robôs parece estar naquela fase risível pela qual o xadrez de computador passou na década de 50.
Hoje, porém, ninguém ri dos programas de computador que jogam xadrez, nem mesmo o campeão mundial Garry Kasparov, que levou o maior susto de sua vida num torneio recente contra o atual campeão computador.
Não se sabe se algo semelhante vai acontecer com o futebol robotizado. Ninguém imagina que algum dia os robôs possam sair em campo para disputar partidas de futebol com jogadores humanos. Mas, pelo menos, as habilidades demonstradas pelas equipes no Mirosot demonstraram potencial para um jogo mais refinado.

Tradução de Clara Allain.

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