São Paulo, quarta-feira, 4 de junho de 1997
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Feliz aniversário para o assassino

AMOS OZ

Outro dia um grupo de fãs compareceu diante dos portões da penitenciária de Beer Sheva, carregando bolos, flores e presentes. Os fãs foram animar o assassino de Rabin, no dia de seu aniversário, e dar-lhe seu apoio. Quando o acesso ao presídio lhes foi negado, não demoraram a reagir, qualificando Israel de "um Estado não-democrático". Na verdade, esses defensores do assassino de Rabin afirmam que a democracia é uma praga; no entanto, parecem estar utilizando -até mesmo manipulando- essa praga, incluindo sua imprensa e sua mídia, com mais energia e habilidade do que os aparentemente esgotados defensores da democracia israelense.
Mesmo antes de Rabin ser assassinado, parecia existir uma espécie de divisão do trabalho entre os odiosos e violentos adversários da paz e da democracia, que controlavam as ruas e praças, e os pluralistas e partidários da paz, que não se afastavam de suas poltronas.
A turma das poltronas acredita na tolerância, é claro. Mas, em vista da festinha de aniversário promovida diante da prisão de Beer Sheva, talvez tenha chegado o momento de nos fazermos uma pergunta simples: pode nossa tolerância pós-moderna, pós-ideológica, multinarrativa tolerar essa "narrativa" pós-democrática, pró-homicida?
É verdade que os admiradores do assassino estão em minoria. Provavelmente se vêem como uma minoria oprimida, perseguida pelos "tribunais de Justiça liberais de esquerda" que violam seu direito democrático de expressar-se pela pistola. Afinal, eles não pretendem impor seus pontos de vista a ninguém -querem apenas promover o homicídio, exatamente como outros têm o direito de pregar contra o homicídio. Que as balas e as urnas, ambas, tentem conquistar o apoio público -na mais honrada tradição da sociedade aberta-, e que a idéia melhor vença. Na verdade, isso acabará garantindo uma nova unidade nacional, já que o partido das balas fará o possível para assegurar que o número de seguidores do partido das urnas se reduza, de modo que, quando o assassino de Rabin for solto, seja saudado com honras unânimes por uma nação unânime, embora menor.
É esta, então, a proposta pluralista apresentada pela turma pró-assassinato que se reuniu outro dia diante da penitenciária de Beer Sheva. Essa proposta pode bem conquistar terreno, como já fez em outras democracias muito tolerantes, no passado. A única maneira de cortá-la pela raiz seria que a turma das poltronas saísse às ruas para exigir que a democracia continue sendo campo exclusivo dos democratas, e que o pluralismo e a tolerância tracem um limite precisamente no ponto onde as próprias regras do jogo se vêem ameaçadas pela violência.
Os fãs do assassino tinham toda razão quando pediram para ver a prisão por dentro. O Legislativo israelense, a promotoria e os tribunais de Justiça precisam garantir -e já- que esses promotores do homicídio conheçam as prisões por dentro, ou seja, colocando-os do lado seguro das grades.

O escritor israelense Amos Oz é autor, entre outros, de "Fima" e "A Caixa Preta" (ed. Companhia das Letras)
Copyright Amos Oz 1997

Tradução de Clara Allain

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