São Paulo, quarta-feira, 4 de junho de 1997
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A grande diferença

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - Nos quintais do governo, surgiu a confortável teoria segundo a qual escândalo se lava com escândalo. Os indícios de uma intermediação dolosa do compadre de Lula junto a algumas prefeituras ocupadas pelo PT não apenas compensam como limpam a barra de Sérgio Motta, acusado nominal e formalmente, por deputados que já renunciaram ao mandato, de ter comprado votos para a reeleição de FHC.
É comparar, na essência e no acidente, a gota d'água com o oceano. Não pelos valores envolvidos, que afinal não importam. No provável escândalo do PT, se houve intermediação ilícita do amigo de Lula, verificou-se mais uma das maracutaias administrativas, condenável, digna de punição, mas restrita ao vulgar salve-se-quem-puder da vida pública.
No caso da compra de votos, houve repugnante estupro da Constituição, que abrigará uma cláusula com efeito retroativo para saciar aquilo que o finado Jânio Quadros chamava de "apetites" do atual presidente. Essa retroatividade é uma aberração jurídica e moral.
No presumido caso do PT, fica-se sabendo quais os municípios que pagaram o rombo. Pode-se até quantificar a tramóia, saber quem levou e quanto. Simplificando: teria sido uma negociata não muito difícil de ser esclarecida e, se for o caso, punida.
No caso da compra de votos, o dramático é que nunca se saberá quem pagou realmente os votos comprados. Evidente que o dinheiro não saiu do bolso do sócio de FHC e seu tesoureiro na campanha presidencial. Saiu de onde? Que grupos ou pessoas estão financiando a compra dos deputados subornáveis?
Os orçamentos municipais costumam ser finitos, mensuráveis. A corrupção institucional funciona mil furos acima. Uma coisa é roubar galinhas; sabe-se por que e para que se roubam galinhas. A grande diferença é que nunca se sabe para que se roubam consciências.

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