São Paulo, quarta-feira, 4 de junho de 1997
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É a natureza absurda?

ANTONIO DELFIM NETTO

A teoria quântica é de compreensão extremamente difícil, porque alguns dos seus resultados não podem ser apreendidos intuitivamente e violam o senso comum. Ela trata da estrutura íntima dos átomos, de um mundo que é invisível e silencioso, mas que produz efeitos reais e previsíveis.
Dela disse o célebre Prêmio Nobel de Física Gell-Mann que é "uma disciplina misteriosa e confusa, que nenhum de nós realmente entende, mas que todos sabemos como usar".
Werner Heisenberg, que desenvolveu uma interpretação matemática da teoria, estabeleceu o famoso princípio da incerteza e também foi Nobel de Física, revelou que sempre se perguntava se "podia a natureza ser tão absurda como se revelava nos experimentos atômicos".
A teoria econômica parece ser exatamente o contrário da teoria quântica: trata-se de uma disciplina clara e facilmente inteligível, mas que ninguém sabe como usar.
É o caso de se perguntar se pode a natureza social ser tão absurda a ponto de levar o Homo schizophrenicus que a pratica a afirmar que "o atual equilíbrio econômico no Brasil exige um enorme desemprego", e que qualquer desequilíbrio deve ser corrigido por um desemprego ainda maior.
Não é preciso grande sofisticação para rejeitar essa proposição. Qualquer manual de macroeconomia que junta a velha demanda keynesiana com uma função de produção, com uma relação entre a taxa de inflação, a sua expectativa e o nível de desemprego e uma restrição do balanço em conta corrente permite intuir o que está acontecendo. E mostra por que a proposta de resolver os nossos problemas com uma redução ainda maior do nível de produção (e, portanto, do emprego) é apenas uma das alternativas. Provavelmente, não a de menor custo social.
O debate está interditado por um pensamento hegemônico aceito pacificamente pelos economistas que já foram educados (ou melhor, domesticados) por ele. Por uma mídia que tende a confundir a globalização (uma coisa muito boa e, aliás, incontornável) com desemprego e o aumento desejado de produtividade com seu aumento real. Por empresários que o pensamento hegemônico acovardou. E por trabalhadores amestrados pelo desemprego "didático"...
Taxas de juros reais elevadas, como as praticadas na Europa por uma política fiscal restritiva (para atender aos indicadores de Maastricht), e política monetária restritiva (para defender a moeda) dificultam os investimentos e aumentam o desemprego, com ou sem mercado de trabalho flexível. Taxas de câmbio valorizadas impõem limites ao crescimento porque aumentam o déficit em conta corrente, qualquer que seja o nível do produto interno.
Os Estados Unidos fizeram o contrário: política fiscal laxista e política monetária duríssima já no início dos anos 80. Colheram uma grave e curta recessão em 1982 e, depois, uma expansão continuada de sete anos e inflação declinante. Com ligeira interrupção em 1991, encontram-se de novo em expansão continuada há seis anos.
Eles são o país mais globalizado do mundo e sua taxa de desemprego decresceu. É certo que eles têm um mercado de trabalho mais flexível e não têm o constrangimento externo. Mas será que isso esgota a explicação? Parece pelo menos discutível.

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