São Paulo, segunda-feira, 9 de junho de 1997 |
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A euforia do Maranhão
JOÃO SAYAD Há coisas que nunca vamos saber. Será que estamos mesmo vivendo um grande momento, uma virada na história do Brasil ou do mundo?O presidente Fernando Henrique Cardoso, quando professor, dava o exemplo de José Bonifácio de Andrada e Silva, que viveu na França durante o primeiro ano da Revolução Francesa, escreveu muitas cartas ao Brasil e nunca mencionou a revolução. Falava apenas em arruaças. Um capítulo do clássico "Formação Econômica do Brasil" do Celso Furtado trata da "Euforia do Maranhão". No período de estagnação entre o ciclo do ouro e o início do café, o Maranhão passa por curto período de prosperidade produzindo e exportando algodão para a Europa, enquanto a produção do sul dos Estados Unidos se reduzia por causa da Guerra da Secessão. A euforia e a prosperidade duraram poucos anos. Os maranhenses não podiam saber. Em todos os tempos, somos escravos do tempo, que só mostra os resultados e só nos permite entender depois que as coisas aconteceram. Mesmo assim, o que entendemos depois continua propriedade do tempo, pois pode ser mudado e reformulado. A União Soviética era exímia em fazer e revisar a história a cada mudança de governo. Cada um de nós tem o direito inalienável de sentir que o tempo em que está vivendo é muito especial. Os 70 anos a que temos direito é o tempo mais importante de toda a história. Não será importante para os nossos descendentes, a não ser como nostalgia, e parecem tempos decadentes para os nossos antepassados. Os últimos 20 anos deste século são assim: o que lhe parece verdade ou importante é verdade e importante. Não interessa se os outros concordam ou se é verdade mesmo. É o que os filósofos chamam de relativismo. Hoje em dia, o importante é respeitar a forma que cada um vê o mundo. Todas as diferenças resultam apenas de formas diferentes de contar as coisas, maneiras diferentes de discursar. Tudo é literatura. Há 20 anos que muitos países do mundo têm mais déficit público, mas o discurso é que a inflação caiu e a produtividade aumentou porque o déficit se reduziu. Não há nada de errado com a afirmação: é apenas uma forma de falar, um soneto que poderia ter sido um haicai, ou um conto que poderia ter sido um romance. O Brasil recebe pesados investimentos de quase todas as montadoras de automóveis, exatamente o setor submetido ao regime automotivo, implantado no primeiro semestre de 1995. No setor de automóveis, se a fábrica exporta, pode importar com tarifas menores. Mas governo, empresários nacionais e estrangeiros e economistas fazem longos discursos contra a política comercial do passado e falam sobre o esgotamento do processo de substituição de importações e o anacronismo de qualquer forma de intervenção. Não devemos nos exasperar: são formas de falar, diferentes discursos. Os jovens falam assim, os velhos falam diferente. São diferenças culturais intergeracionais. Os bancos centrais do mundo inteiro falam em austeridade e controle das emissões quando apenas aumentam juros e ampliam a liquidez. Mas afinal de contas, o que é liquidez? Será que liquidez e juros não podem ser a mesma coisa para um escritor e coisas diferentes apenas para poetas? A Tailândia do Sudeste Asiático, paradigma dos brasileiros, mexicanos e argentinos, enfrenta ataque especulativo e pratica taxas de juros de 1.000% ao ano com inflação muito baixa. Entretanto, não inspira nenhuma linha de prosa ou poesia aqui no Brasil entre os adoradores do déficit comercial. Um discurso é de brancos, outro dos negros, um terceiro das mulheres, outro de gays. Ainda outro discurso é de neoliberais, outro das esquerdas, outro da modernização. Não há o que aprender, cada um aprende como quiser. Texto Anterior: Fatia estatal; No cravo; Na ferradura; Elo mais frágil; Bilhões de 98; Venda heavy; Na trilha do rival; Ampliando o mercado; À venda; Novo recorde; Mudando a cara; Âncora cinza; Pegando fogo; Na prancheta; Na frente; Compra na rede; Nichos lucrativos; De vento em popa Próximo Texto: Precatórios: um caso para impeachment Índice |
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