São Paulo, segunda-feira, 9 de junho de 1997
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Os novos valores nacionais

LUÍS NASSIF

Um dos pontos centrais da modernização da sociedade brasileira será a substituição dos chamados "tutores das belas bandeiras" por valores que terão como avalista a própria opinião pública.
Na história do Brasil, toda bandeira legítima acabava apropriada por grupos políticos e utilizada com o objetivo único da conquista do Estado.
Não se tornava valor nacional, como a bandeira, o hino ou a seleção de futebol, pelo qual cada habitante do país se sentisse responsável.
Eram bandeiras de dono, em geral genéricas, que permitiam à opinião pública apenas acompanhar à distância, atuar como coadjuvante, ajudando a derrubar o poder constituído, mas não incorporá-las como valor nacional perene -pois aí a bandeira deixaria de ter dono.
A República foi proclamada em nome da bandeira genérica de colocar o Estado a serviço do cidadão. Derrubada a monarquia, nunca o Estado foi tão assaltado como nos 40 anos seguintes. Em 1930, eis de volta a velha bandeira, brandida por novos grupos.
O mesmo ocorreu com a Nova República. Conquistado o poder, observa-se novo assalto de grupos organizados ao Estado, levando à grande hiperinflação dos 80 e à eleição de um novo presidente, retomando a bandeira original.
Historicamente, a consequência foi a não-consolidação de valores, a desmobilização da opinião pública e a dificuldade secular de consolidar instituições no país.
O grande avalista
É essa lógica que começa a ser rompida com a abertura da economia, e a globalização trazendo um volume inédito de novas informações ao país.
Em todo regime democrático, o grande avalista dos procedimentos é a opinião pública, e os valores que se consolidam nela por meio da discussão democrática.
No Brasil esses valores sempre foram muito tênues, a começar pela descrença na própria democracia. Para contornar essa falta de raízes no povo, cada legislador mais moderno tentava eternizar sua visão de mundo em leis detalhadíssimas, ou instrumentos burocráticos da maior complexidade, que acabavam virando letra morta por não encontrar eco na alma nacional.
Com o fracasso das políticas populistas dos anos 80, desde então tem havido uma gradativa implantação de novos valores, comandados basicamente pela mídia, a partir do aparecimento, ainda nos anos 80, da Santíssima Trindade do cidadão-consumidor-contribuinte.
Primeiros valores
No início dos anos 80, as primeiras grandes ações judiciais contra o governo -nas questões do BNH e da Previdência- consagravam o princípio dos direitos individuais perante o Estado. Lembre-se que, alguns anos antes, até reunião de condomínio era considerado encontro subversivo.
No final dos anos 80 consolidou-se como valor nacional o princípio de que os interesses difusos dos contribuintes são preponderantes sobre os interesses corporativos de grupos organizados.
Esse valor surgiu após os enormes exageros cometidos contra o Estado ao longo da década.
A abertura da economia e a invasão dos importados mudaram a percepção de política industrial. Política industrial legítima não é mais a que simplesmente fortalece grupos nacionais, ou gera empregos, mas a que permite que o consumidor tenha acesso a produtos mais baratos e de melhor qualidade. Geração de empregos é relevante, mas sem perda da competitividade, pois senão quem paga é o conjunto da sociedade.
Papel da empresa
Há outros valores importantes, que gradativamente começam a se introjetar no psicossocial da nação, mas ainda não de forma consistente.
Como, por exemplo, a resistência contra toda forma de poder excessivo, seja de governos, empresas ou setores.
Um que ainda esbarra em fortes interesses corporativos é o primado das iniciativas individuais sobre as práticas paternalistas.
Todo modelo de organização brasileiro -do Estado ao sindical, passando pelo cooperativismo- igualava a todos por baixo. O poder das lideranças estava em impedir a autonomia dos mais capazes, em nome da proteção dos mais fracos. Já começa a mudar.
Outro valor que deverá se consolidar nos próximos anos é a constatação de que a solução dos problemas nacionais não é de exclusiva responsabilidade do Estado. Cabe à sociedade atuar na solução dos problemas imediatos da sua comunidade, com organizações não-governamentais criando iniciativas e empresas financiando-as.
Em breve, empresa em boa situação que não der sua parcela de contribuição para a sociedade, passará a ser malvista.
Obviamente, esse conjunto de novos valores apenas ajudará a consolidar os valores básicos, que marcarão de modo irreversível daqui para a frente a vida nacional.
O primeiro, a democracia como valor maior. O segundo, a estabilidade econômica, como pressuposto para a consolidação de todos os demais valores.

Email: lnassif@uol.com.br

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