São Paulo, segunda-feira, 9 de junho de 1997
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A mão e a botija

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - Sou obrigado a concordar com o presidente da República no seu desabafo exaltado da semana passada. Um dos males do Brasil é a politicalha -disse ele, na certa referindo-se aos outros. Há dois anos e meio estamos entregues à mais desenfreada politicalha presidida por ele.
Uma politicalha que funciona em torno de cargos, comissões e subornos -alguns na base da própria politicalha, outros, mais explícitos, na base do dinheiro mesmo.
Disse o presidente que as denúncias da compra de votos para aprovar mais quatro anos de politicalha são referências vagas. Bolas, tivemos nomes e cifras gravadas em fita, que foram testadas tecnicamente por instituto especializado.
Dois dos parlamentares comprados renunciaram aos mandatos, numa confissão clara de culpa. O nome do peregrino ministro Sérgio Motta foi citado formalmente várias vezes pelos culpados como responsável pela compra do lote de consciências.
Só mesmo a obtusa preferência do residente pela mentira, pelo disfarce alvar, poderia justificar a inversão moral que é considerar o concreto como vago. Poucas vezes um caso de suborno foi flagrado tão cruamente com a mão do governo na botija das consciências.
E se ficam faltando outros elementos para a apuração do caso, a falha não é da acusação. Uma vez mais, a culpa é do principal suspeito desse crime, o próprio presidente, que manobrou, através da politicalha, para impedir a CPI sobre o caso.
É com tristeza que devemos refletir sobre o vazio ético que domina a realidade política de hoje. No passado, quando os políticos nunca foram santos, havia pelo menos uma lei que servia de referência moral. Valia tudo, menos xingar a mãe. Era um princípio. Em torno desse mandamento arrumava-se alguma coisa. Acho que nem isso sobrou. O presidente diariamente agride nossa mãe comum que deve ser a verdade.

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