São Paulo, segunda-feira, 9 de junho de 1997
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Negociar para avançar

HORACIO LAFER PIVA

Se a estabilização trouxe novas expectativas ao país, ao mesmo tempo deixou clara a urgência de transformá-las em oportunidades.
Para o Brasil passar de seu círculo vicioso para o virtuoso, é preciso, contudo, que aceitemos que temos enormes dificuldades a serem superadas, dentro de um sistema pouco justo e que exige substancial esforço de todos nós.
Embora tenhamos um mercado potencial que nos habilita a manter um sincero otimismo, ainda temos de resolver questões fundamentais e que passam, se aceitarmos que uma geração é um prazo razoável, principalmente por educação e distribuição de renda.
Neste país, os 50% mais pobres ainda retêm apenas 12% da renda nacional, enquanto o 1% mais rico, topo da pirâmide social, detém 14% dessa mesma renda.
Esses números certamente dão a dimensão da perversidade do processo de concentração, mas igualmente da oportunidade que se apresenta para o país. O mercado ficou muito claro a partir do momento em que a estabilidade mostrou sua melhor face, mas explorá-la em sua total extensão exige que a democracia do consumo seja acompanhada da respectiva melhoria na capacidade de ganho, aí sim transformando o comércio e a indústria numa alavanca de oferta e demanda que impulsione o desenvolvimento como um todo.
Na educação, por sua vez, está o nó que compromete nossa chance de aproveitar o momento histórico por que passa um mundo que otimiza a tecnologia a seu dispor. São 24 milhões de analfabetos, condenados à exclusão justamente quando a informação é o grande motor de transformação.
E parece que não aprendemos quase nada com nossos competidores. Na Coréia, desde os anos 60, praticamente 100% da população em idade escolar completa o ensino básico, com 95% se matriculando no 2º grau. Lá, em pouco mais de uma década de política educacional consistente, o analfabetismo acabou. Aqui, 3,4 milhões de jovens entre 15 e 24 anos não sabem ler nem escrever.
E onde estão esses constrangimentos? Não na indústria! No setor industrial da economia é que se criam os postos de trabalho de melhor qualidade do país e se produzem e se geram excedentes para aplicação na área social.
Mas, embora até haja talvez bons sentimentos, o que não muda são as regras da concorrência. Aceito o desafio da inserção global competitiva, só restou ao setor a redução drástica de seus custos, espremendo margens, incorporando tecnologia, lançando novos produtos e voltando a uma visão de longo prazo.
Por isso é que buscamos elevar nossa participação, inaugurando uma fase de investimentos que criará, de maneira muito mais sustentada, novos e ainda melhores postos de trabalho, seja aumentando o mercado consumidor interno, seja abocanhando uma fatia que, a resolver o problema de câmbio e custo Brasil, é nossa no mercado externo.
É o caso, então, de estimular a produção e redirecionar o crescimento, dando prioridade aos setores da economia que são ainda capazes de absorver muita mão-de-obra, como, por exemplo, construção civil, agricultura e infra-estrutura, tratando ao mesmo tempo da qualificação desse trabalhador.
Buscar alternativas para um projeto econômico que desconcentre renda, retome investimentos, democratize as relações de trabalho, aliado a um crescimento econômico que seja pelo menos a soma da incorporação da produtividade mais o crescimento demográfico, é a bandeira que temos desfraldado.
Daí por que buscar alternativas até a exaustão. E também por que discutir flexibilização nas relações de trabalho, o que envolve o polêmico assunto dos encargos.
Para as empresas, custos menores significam gastos menores, lucros maiores, pagamentos melhores e produtos mais competitivos no mercado.
Para os empregados, interessa manter o emprego e os direitos trabalhistas garantidos pela lei. Quem tem emprego não quer saber de perda de direitos, mas sempre se interessa por ganhar mais.
Para os desempregados, o importante é ter emprego.
A continuar a inflexibilidade de nossa legislação trabalhista, a tendência será de aumento do trabalho informal, hoje já ultrapassando a faixa do emprego com carteira assinada.
Uma legislação flexível nos EUA permite uma discussão melhor do contrato coletivo por empresa, documento que ajusta o mercado de trabalho a ciclos naturais de crescimento e recessão. A Justiça do Trabalho só comparece quando o contrato, livremente negociado, deixa de ser cumprido.
Debruçar-se sobre a CLT é, portanto, fundamental. Não adianta o esforço para que alguns tenham todos os benefícios, enquanto a maioria fica sem proteção alguma.
Temos de aproveitar, portanto, o clima de insatisfação que une trabalhadores e empresários, no sentido de pressionar pela tomada de uma decisão política racional.
Sabemos que não existe proteção para salários sem uma estabilidade definitiva, mas desejamos uma solução, encerrando esta conjunção em que o trabalhador ganha pouco, a empresa recolhe muito, e os benefícios são péssimos.
O jogo está tendendo para uma posição consensual. Educação, renda, reformas e relações positivas são o objetivo principal. E como não nos resta nenhuma alternativa senão a vitória, cabe-nos orientar nossa ação para esse resultado, como uma variável definitiva de avanço do país.

E-mail: hpiva@nutecnet.com.br

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