São Paulo, segunda-feira, 9 de junho de 1997
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ABC das greves

LUIZ MARINHO

Algumas pessoas da CUT e do PT estranharam a anunciada disposição da categoria metalúrgica do ABC de diminuir a quantidade de greves na região.
Aprendi e me formei politicamente, ao lado de Vicentinho, Meneguelli, Guiba e tantos companheiros, com as históricas greves do ABC. Se há o compromisso de nunca negar esse passado, temos a responsabilidade, maior ainda, de nunca trair o presente e o futuro das nossas lutas.
Uma leitura mais atenta (e crítica) dos jornais deixará claro aos mais afoitos que em momento algum foi anunciado nosso desprezo à greve, como instrumento maior de nossa luta. Porém não é o único. E isso nós aprendemos aqui no ABC.
Luiz Inácio falou, em vários encontros aqui na região, da necessidade de criarmos formas inteligentes de mobilização e organização. E que nem sempre o caminho da greve generalizada é o mais oportuno.
Isso constatamos em novembro passado, quando o sindicato patronal se negou a negociar conosco. Convocamos algumas empresas, demos o nome de dez fábricas que iríamos parar. Pensaram em blefe. Paramos por um dia aquelas empresas e depois normalizamos a produção. No dia seguinte, os empresários estavam negociando, e foi acertado o acordo.
Porque temem e respeitam a nossa força, em muitas empresas, como a Volks, não há necessidade de greve há anos. A negociação séria tem sido o caminho para a resolução de conflitos trabalhistas. Aprendemos a valorizar a negociação.
Mas há em nossa central e no partido cabeças ainda voltadas para os anos 70, quando a greve, antes de mais nada, era termômetro para medir o grau de "avanço ideológico e compromisso revolucionário".
Nós achamos que ainda é -desde que seja pensada, preparada e pragmaticamente utilizada no momento e no local corretos. Senão, ela pode se transformar no inverso, acarretando retrocesso político, perda substancial da organização e prejuízo salarial para os trabalhadores.
Além de varrer o imposto sindical e todas as formas autoritárias de sustentação da entidade, o segundo congresso da categoria, encerrado no dia 18 passado, aprovou a consolidação da organização do sindicato no chão das fábricas, com a criação dos comitês sindicais de empresa.
Mais próximo do trabalhador, maior o "feeling" para uma poderosa mobilização e para uma acertada greve. Muita gente atrasada, apesar do discurso raivoso, não terá sensibilidade para entender o que estamos propondo.
Nós nos orgulhamos do ABC das greves, que ajudou a derrubar a ditadura e a criar uma organização forte dos trabalhadores.
Valorizamos a greve, como instrumento de luta, como ninguém.
O que está equivocado é o desequilíbrio que existe entre o ABC e certas regiões do país, onde não há greves, e, por isso, tanto salário como condições de trabalho são extremamente reduzidos, como, por exemplo, na Fiat, em Betim.
Há um projeto por trás dessa idéia. Queremos fortalecer a organização no local de trabalho, estar preparados para o fim da unicidade sindical. Isso está relacionado com o futuro. Sabemos que existe mudança de cultura. Nós, dirigentes sindicais, temos a responsabilidade de pensar o amanhã e ter a coragem de debater o novo, aquilo que não é costumeiro.
O ABC das greves está muito mais maduro do que muita gente pensa.

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