São Paulo, sexta-feira, 13 de junho de 1997
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'O Prisioneiro das Montanhas' é antiépico russo

JOSÉ GERALDO COUTO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Não é todo dia que se tem a oportunidade de ver um filme ambientado nas montanhas da Chechênia. Só esse fato já justificaria uma espiada em "O Prisioneiro das Montanhas", filme russo dirigido pelo cineasta Sergei Bodrov, que estréia hoje.
Mas o filme, que ganhou o prêmio da crítica em Cannes no ano passado e concorreu ao Oscar de produção estrangeira, merece ser visto por diversos outros motivos, além da mera curiosidade geográfica ou histórica.
O enredo é simples. Um destacamento de soldados russos sofre uma emboscada num desfiladeiro, e dois deles -o novato Sacha (Oleg Menshikov) e o veterano Vania (Sergei Bodrov Jr.)- são feitos prisioneiros por guerrilheiros locais.
Algemados e escondidos numa casa da aldeia, os dois deverão ser usados como moeda de troca para a libertação de um jovem do povoado, encarcerado pelos russos numa prisão da cidade.
O comandante da emboscada e de toda a operação de sequestro é um velho líder local, Abdul Murat (Djemal Sikharulidze), pai do rapaz preso.
Intolerância Três fatores ameaçam crescentemente os planos de Abdul.
Em primeiro lugar, as tentativas de fuga dos dois soldados russos aprisionados.
Em segundo, as pressões da própria comunidade da aldeia para que eles sejam mortos ou devolvidos.
Por último, o fator mais perturbador -e que se torna o centro dramático do filme: a relação de simpatia e afeto que começa a se esboçar entre a filha de Abdul, Dina (interpretada por Susana Mekhralieva), e os prisioneiros, sobretudo o mais jovem.
Todo o filme pode ser visto como a contraposição entre a intolerância reinante e esse afeto, que se constrói passando por cima das barreiras bélicas, culturais e linguísticas. "O Prisioneiro das Montanhas" é, a rigor, um antiépico.
Humanização O que é mais interessante e animador, do ponto de vista dramático e narrativo, é que os personagens não são estáticos, nem unidimensionais.
Ao longo das semanas em que esses russos são prisioneiros nas montanhas do Cáucaso, os temperamentos e paixões vão se moldando e transformando de acordo com as circunstâncias.
O arrogante Vania mostra aos poucos sua fragilidade e sentimentalismo.
O inexperiente e assustado Sacha cresce com os acontecimentos, descobrindo em si mesmo reservas insuspeitas de brio e coragem.
O próprio Abdul Murat, a princípio a encarnação do sectarismo e da inflexibilidade, vai se humanizando à medida que o filme avança.
O ritmo com que se expõem essas transformações de caráter é lento, quase contemplativo, como parece sugerir a bela paisagem da região.
A maneira como o cineasta tira proveito do espaço físico também é digna de nota: do contraponto entre a imensidão quase desértica das montanhas do Cáucaso e as correntes que mantêm os prisioneiros circunscritos a sua cela, Bodrov extrai uma gramática e uma ética.

Filme: O Prisioneiro das Montanhas
Produção: Rússia, 1996
Direção: Sergei Bodrov
Com: Oleg Menshikov, Sergei Bodrov Jr., Djemal Sikharulidze, Susana Mekhralieva
Quando: a partir de hoje no Cinesesc

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