São Paulo, sexta-feira, 13 de junho de 1997
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A Lula o que é de Lula

JOSÉ SARNEY

Eu sempre tive absoluta incapacidade de guardar ressentimentos e de ser injusto ou devoto de Adrasteia, a deusa da vingança.
O PT foi sempre muito duro comigo e muitas vezes teve uma leitura errada de meu governo -que, diga-se de passagem, foi o período que abriu espaços para ele crescer. O partido disputou a Presidência, quase chegando lá, com um candidato ao qual, por mais que dele discordassem, ninguém podia negar a biografia extremamente comovente de um retirante do Nordeste, com curso primário incompleto, torneiro mecânico, trabalhador de macacão que, pelas suas qualidades de liderança, assumiu uma posição de comando do movimento trabalhista: Luiz Inácio Lula da Silva.
Não quero discutir suas idéias políticas, embora muitas delas possamos aprovar. Quero dizer do massacre, muitas vezes insincero, com que agora vem sendo ressuscitado um episódio de há muito batido, justamente para atingi-lo numa gangorra de compensação na temporada de denúncias que atravessamos.
O país tem de aprender a preservar os seus homens públicos naquilo que eles têm de mais exemplar, que é sua vida. Não se trata de dar carta de imunidade a ninguém. Mas não se pode, só porque o Lula é um líder de esquerda, aproveitar-se de sua notoriedade para, à custa dela, criar um escândalo de pastel de vento.
Lula mora numa casa de um compadre, e dizem que ele tinha de morar numa casa paga pelo partido. Qual a diferença, sob o ponto de vista ético, de uma coisa ou outra? O fato mais importante seria o de dizer que um homem com a sua projeção não tem casa para morar.
É uma história muito estranha acreditar que um homem que atravessou tantas lutas fosse usar de seu prestígio junto a prefeituras a fim de ajudar o PT. Seria uma decepção para o país, que nele vê um símbolo do que temos de melhor nas nossas práticas, um país democrático, que não discrimina ninguém e oferece a todos oportunidades de participação e ascensão.
Qual a democracia no mundo ocidental que pode dar esse exemplo que damos com a liderança do Lula? Considero um dos pontos altos do meu governo ter derrubado as barreiras de separação existentes entre trabalhadores e patrões. Todos passaram a ter o status de cidadão e, desde então, vivemos uma sociedade verdadeiramente democrática. E um dos exemplos mais claros e didáticos foi o êxito da candidatura Lula nas eleições de 89.
No meio de tantas denúncias e de tantos casos escabrosos, de um presidente que teve decretada a perda do cargo por impeachment, de deputados que são cassados por conivência e cumplicidade de seus deveres com práticas criminosas, de falências fraudulentas, de fantasmas bancários, das ilegalidades na colocação de títulos públicos destinados ao pagamento de precatórios, é estranho que venham crucificar um adversário pelo fato de não ter uma casa para morar.
Como seu adversário, tenho mais autoridade para dizer que não estou sendo condescendente com Lula; mas não posso, até mesmo pela isenção, pela coerência e pelo equilíbrio com que pautei minha ação política, sem nunca agredir ninguém, juntar-me à hipocrisia de sua crucificação.

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