São Paulo, sexta-feira, 13 de junho de 1997
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A reforma agrária no banco dos réus

JOSÉ RAINHA JR.

O MST vem denunciando a violência contra os trabalhadores sem terra já há muito tempo. Sempre denunciamos a impunidade e a parcialidade da Justiça. O Brasil está cheio de histórias de verdadeiras injustiças contra os trabalhadores em geral.
O meu julgamento em Pedro Canário (ES), não bastasse ser uma afronta à dignidade humana, foi mais uma injustiça, dessa vez cometida sob a fachada de um júri popular.
Ficou claro: basta montar um processo, acusar sem provas, encaminhar para julgamento e condenar. Como acreditar nesta democracia ou nesta Justiça que pode ser manipulada a qualquer momento e, sob suas asas, "afastar do caminho" as pessoas que representam perigo aos interesses da minoria rica que detém o poder econômico e político?
Não preciso eu, o réu, o condenado por conveniência de alguns, demonstrar indignação. Quem assistiu ao julgamento, inclusive muitos jornalistas e lideranças populares, se convenceu da farsa em Pedro Canário -não se precisava de julgamento, era jogo de cartas marcadas. Estavam em julgamento a reforma agrária e o MST -o perigo para os latifundiários e a elite dominante deste país, uma minoria cujo poder, comprovou-se agora, está acima da Justiça, e a Justiça, enfim, às suas ordens.
Ali, sentado no banco dos réus, minha revolta aumentava. Ficava imaginando se um dia seriam julgados e condenados os policiais militares que assassinaram trabalhadores em Eldorado do Carajás, em Corumbiara e em Diadema -e, principalmente, os seus mandantes.
Eu compareci ao julgamento confiante. Sou inocente e isso foi comprovado. Não bastou ser inocente ou ter provas disso. E, pior, não bastou a acusação sem provas, sem testemunhas. O tal júri popular estava preparado para condenar -e aí não era mais o José Rainha, era a luta dos trabalhadores sem terra, a reforma agrária. Tinham que dar um exemplo para ninguém mais se meter a besta e mexer com os donos do país e, agora, de nossa liberdade e de nossas vidas.
O discurso da UDR e dos latifundiários eu posso prever, e sei que não mudará a posição da sociedade em relação à reforma agrária. O que eu ainda não sei é se o governo continuará inerte e indiferente aos problemas sociais deste país, se a violência e a impunidade ainda vão imperar -e, pelo resultado do meu julgamento em Pedro Canário, já temos a sentença: lugar de sem-terra é na cadeia ou no cemitério.
Esperamos que o governo não seja conivente com essa postura, embora seja o maior culpado pela violência e impunidade no campo. Não faz a reforma agrária porque não quer ou porque não interessa à elite dominante.
E a lição é dura: foram julgados o poder de mobilização popular, o desejo de mudanças estruturais neste país e a luta pelo emprego, pelo fim da fome e da miséria. Não basta a impunidade dos verdadeiros criminosos deste país: é preciso desencorajar qualquer um de lutar. Mas vai acontecer exatamente o contrário. O MST sai mais forte, e a sociedade, muito mais indignada. Explodirão mobilizações por todo o Brasil contra a fome, o desemprego, pela reforma agrária e, agora, contra as arbitrariedades da Justiça.

José Rainha Júnior, 38, agricultor, é membro da direção nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).

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