São Paulo, sexta-feira, 13 de junho de 1997
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Cultura no banco escolar

Encontramo-nos num momento crucial e determinante em relação ao futuro da inteligência brasileira
JÚLIO MEDAGLIA
Depois de aprovada a Constituição de 1988, iniciaram-se a elaboração e o debate em torno de uma nova LDB, uma moderna Lei de Diretrizes e Bases da educação nacional.
Por ser uma matéria extremamente complexa, seja por seus mecanismos, seja pelo conteúdo, sua conclusão se arrastou por mais de oito anos no Congresso. No ano passado, o texto básico foi aprovado e enviado ao Senado para aprovação.
No capítulo 7º dessa nova LDB havia um importante artigo, de número 33, que pretendia tornar obrigatório o trato cultural já no banco escolar. Algo que, na legislação atual, é conhecido como "educação artística", que substituiu, no início dos anos 70, o "canto orfeônico" -fruto de incansáveis lutas de Villa-Lobos junto aos poderes do Estado Novo.
Os termos desse artigo, bastante abrangentes, mas positivamente provocadores, eram os seguintes:
"O ensino da arte constituirá componente curricular obrigatório, nos diversos níveis da educação básica, para desenvolver a criatividade, a percepção e a sensibilidade estética, respeitadas as especificidades de cada linguagem artística.
Parágrafo 1º - Terão tratamento especial a preservação do patrimônio cultural nacional e regional, bem como as diferentes formas de manifestação artístico-culturais típicas do Brasil.
Parágrafo 2º - Entendem-se por ensino da arte os componentes curriculares pertinentes às artes musicais, plásticas, cênicas, desenho e demais formas de manifestação artística."
Quando esse projeto de lei chegou ao Senado, foi preterido em função de outro, de autoria do senador Darcy Ribeiro. Considerando seu prestígio como intelectual, escritor, antropólogo, educador e também seu delicado estado de saúde naquele momento, sua "nova lei da educação" é a que foi aprovada.
Para surpresa geral e por motivos desconhecidos, o texto do senador Darcy não fazia uma única menção à presença no currículo escolar do ensino artístico.
Ora, a luta pela presença da informação cultural no aprendizado do jovem brasileiro é antiga. Sempre reuniu artistas, intelectuais e educadores e está repleta de episódios os mais inusitados, que vão do simples debate técnico ao enfrentamento de lobbies no Congresso -que, num dado momento, chegou às raias do pugilato.
Em consequência da alteração sofrida no Senado, o texto voltou ao Congresso para uma segunda avaliação e aprovação. E aqui, pela habilidade no manuseio da matéria constitucional e pela sensibilidade no trato das questões do ensino, o relator, deputado José Jorge, respeitado educador pernambucano, conseguiu estabelecer uma média consensual entre os componentes positivos de ambos os projetos e fazê-lo aprovar.
Sensível às manifestações favoráveis à questão cultural no currículo escolar, permitiu que o texto da nova LDB, ao ser aprovado e enviado à sanção presidencial, incluísse o seguinte parágrafo: "O ensino da arte constituirá componente obrigatório nos diversos níveis da educação básica, de forma a promover o desenvolvimento cultural dos alunos".
A partir do segundo semestre deste ano, as secretarias de Educação dos Estados deverão criar equipes para estruturar a regulamentação da lei, uma vez que ela será regionalizada.
Encontramo-nos, portanto, num momento crucial e determinante em relação ao futuro da inteligência brasileira.
Intelectuais, artistas e educadores devem se unir e lutar para que essa simples frase do texto constitucional se transforme num poderoso vetor de iluminação mental do adolescente. E que se consiga, se elaborada com habilidade pedagógica e conteúdo de alto nível, trazer ao jovem uma informação cultural prática e de boa qualidade, que o ajude a enfrentar o massacre da poluição cultural que terá pela frente no seu dia-a-dia.
Caso contrário, esse infeliz ficará à disposição exclusiva dos tratores da mídia eletrônica contemporânea -não apenas brasileira-, que diariamente despejam atrevidamente em suas casas toneladas de lixo cultural. "Alea jacta est"...

Júlio Medaglia, 59, maestro, é regente-titular da Orquestra do Teatro Amazonas (em formação).

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