São Paulo, sábado, 14 de junho de 1997
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Somatório de equívocos

INOCÊNCIO OLIVEIRA

Legítima e necessária, uma revisão constitucional em 1999, desde que referendada por um plebiscito, parece-nos o caminho mais seguro para que se alcance a estabilidade institucional que o país persegue desde a redemocratização e que, diferentemente do que se deseja, é difícil atingir, apesar dos esforços empreendidos.
Em 1988, quando os sonhos políticos se encontravam bem distanciados do possível, foi promulgada uma Constituição, logo apelidada de "cidadã". Simultaneamente aplaudida e contestada, incorporou dispositivos de cumprimento impossível.
Basta lembrar que, ao tratar de temas polêmicos, praticamente remeteu quase todos para regulamentação por lei, a exemplo da taxa de juros anual de 12%, quando a inflação mensal geralmente engolia tal número e vivíamos a era da indexação, felizmente sepultada pelo Plano Real. Aliás, nossa Carta mais bem-sucedida, a de 1946, procedeu da mesma forma, criando uma tradição que também precisamos sepultar.
Mal saídos de longo período autoritário, em meio a uma democracia então pouco vivenciada, os constituintes da década passada colocaram desejos quase pessoais na Carta "cidadã", e o resultado foi um trabalho detalhista, com toques corporativistas, rico em direitos e pobre em deveres.
Um modelo constitucional antigo, que refletiu momento muito emocional, uma verdadeira visão por espelho retrovisor, uma tentativa de resgate de mais de duas décadas sem liberdade.
Mal resolvida, a própria Carta, numa espécie de autocrítica, estabeleceu sua revisão para cinco anos depois, embora já evidenciasse sinais de envelhecimento em 89, quando mudanças radicais alteraram boa parte do mundo. Mas a tentativa fracassou por falta de vontade e esforço político, e o trabalho não alcançou meia dúzia de alterações.
O quadro hoje reflete o somatório de equívocos. Basta lembrar que foram apresentadas nada menos que 709 propostas de emendas constitucionais. Esse, sim, o retrato sem retoque da necessidade de uma revisão, que não pode ser adiada indefinidamente.
Ora, nas eleições gerais do próximo ano, o eleitor deverá se manifestar contra ou a favor da revisão, por meio de plebiscito. Se o país disser sim, sugiro desde já que se use muito a borracha e pouco a caneta. Afinal, quanto mais extensa uma Constituição, mais passível de mudanças e menos adequada à estabilidade institucional.

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