São Paulo, sábado, 14 de junho de 1997
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Apenas mediante plebiscito

CELSO BASTOS

A pergunta que se põe, diante do malogro quase total das tentativas do governo de reformar a Constituição, é saber da possibilidade da convocação de um novo poder revisional nos moldes do previsto pela Constituição para ser exercido até cinco anos depois da sua promulgação, o que, como se sabe, já ocorreu igualmente sem eficácia.
A resposta primeira que qualquer professor de direito constitucional dará é a de que o poder de emendar a Constituição não inclui o de alterar as próprias condições para a aprovação das emendas, é dizer, três quintos dos votos de cada uma das casas do Congresso Nacional, por dois turnos consecutivos (parágrafo 2º do artigo 60 da Constituição Federal de 88).
Essa cláusula é tida por pétrea implicitamente, porque tal corresponde à marca do poder constituinte originário, aquele que fez a Constituição, na qual ele procura garantir o fruto do seu trabalho, impedindo que o Congresso Nacional, simplesmente para aumentar os seus poderes, rebaixe o nível de exigência para, por exemplo, a maioria absoluta (metade mais um) dos membros do Congresso Nacional reunidos em sessão conjunta, que era o quórum previsto para a revisão.
Essa é, contudo, a situação a prevalecer no andamento normal da vida das instituições e da sociedade. Se estas entrarem em crise -para a qual o texto constitucional não tenha condição de por cobro, quer por deficiência de seus institutos, quer por ausência de vontade política de melhorá-la-, o certo é que, em todo lugar e em todo tempo, atingido o nível do insuportável, as Constituições caem, e a regra acima perde a sua eficácia.
Nenhum país vai soçobrar como unidade estatal por apego a um texto constitucional. Sempre que só um puder sobreviver, é o Estado que prevalece, e cai a Constituição. Aliás, recentemente tivemos um exemplo disso: a Constituição de 1967, com redação dada pela emenda constitucional nº 1/69, promulgou uma emenda nº 26, de 27 de novembro de 1985, que foi além do acima ventilado e chegou à convocação de um novo Congresso para fazer outra Constituição.
Se nos fôssemos ater à teoria constitucional, a nossa própria Constituição seria ilegítima, porque brotou de uma assembléia convocada por uma emenda, ela mesma inconstitucional.
Daí concluir que, no limiar da sobrevida ou da morte da Constituição, os fatos prevalecem.
Nada impede, contudo, que se procure evitar um desabar descontrolado da atual Constituição e se procure proceder mais ou menos como se procedeu para a Constituinte: a aprovação de uma emenda pelo atual Congresso, pelo quórum normal, autorizando que o mesmo poder seja reinvestido do poder reformador próprio da Constituinte; e que essa mesma emenda seja, depois de promulgada, submetida a um plebiscito popular, que a dará por aprovada se atingida a maioria dos votos dos eleitores.

Celso Ribeiro Bastos, 58, é professor de pós-graduação de direito constitucional e direito das relações econômicas internacionais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e diretor-geral do Instituto Brasileiro de Direito Constitucional (IBDC).

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