São Paulo, domingo, 15 de junho de 1997
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'Médico' do HC evita bisturi e trabalha com tinta e pincel

AURELIANO BIANCARELLI
DA REPORTAGEM LOCAL

José Falcetti não se lembra de quantos cadáveres já viu abrir e de quantas cirurgias e transplantes já acompanhou. Por força da profissão, conhece tanto o interior do corpo humano quanto um cirurgião-geral.
A diferença é que, em lugar do bisturi e das pinças, ele manipula pincéis, lápis e um revólver de tinta. Falcetti, 47, é dos poucos seguidores de uma arte rara: é um ilustrador médico. Sua função consiste em desenhar, com mais precisão que uma fotografia, cada sistema do organismo. Ou ilustrar passo a passo os procedimentos de uma cirurgia.
No mundo todo, contam-se pouquíssimos "artistas" dedicados exclusivamente a essa especialidade, diz Liberato Di Dio, um dos mais renomados professores de anatomia. No mês passado, Falcetti recebeu dos EUA um exemplar de seu último trabalho, o "Atlas of Vascular Anatomy", do gaúcho Renan Uflacker, chefe do departamento de radiologia da Universidade da Carolina do Sul (EUA).
Foram cem desenhos, que ilustram uma minuciosa viagem pelos vasos e artérias do corpo humano.
O trabalho consumiu dois anos e três meses. "É um atlas inédito", diz Falcetti. "E será usado por médicos e estudantes de medicina durante décadas, pois a estrutura do corpo humano não muda."
Falcetti estima que já produziu 3.000 pranchas e ilustrou cerca de 20 livros. Um dos trabalhos mais requisitados é a ilustração de procedimentos, como uma cirurgia da coluna vertebral, que já fez, e uma série de operações do joelho, que está preparando.
Esse tipo de publicação se destina a médicos que não têm oportunidade de acompanhar novos procedimentos. "Eu funciono como se estivesse operando", diz. "O primeiro desenho indica a incisão, o outro mostra os nervos sendo cortados, depois as artérias sendo afastadas, as membranas separadas."
Falcetti começou desenhando aos 13 anos no interior de São Paulo e aos 16 dava aulas de pintura a óleo. Aprendeu com um casal de artistas que na época pintava a Via Sacra na matriz de Araçatuba.
Cursou a Escola de Belas Artes em São Paulo e entrou no Hospital das Clínicas como escriturário. Foi descoberto pelo cirurgião Raul Marino Júnior, em 1979, quando pintava motivos de Natal no prédio da diretoria.
Hoje, no seu currículo, Falcetti tem trabalhos em parceria com os professores Daher Cutait, Adib Jatene, Silvano Raia, Sami Rapi.
Ganhou uma sala no terceiro andar do Instituto de Psiquiatria do HC, com salário de diretor, cerca de R$ 1.600,00. Pelo atlas vascular, que fez para a universidade americana, recebeu US$ 13 mil. Se alguma instituição ou laboratório brasileiro tivesse bancado o investimento, os louros -ele mesmo diz- teriam ficado no Brasil.

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