São Paulo, quarta-feira, 18 de junho de 1997
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Mudanças e mudanças (1)

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - Alguns leitores, entre os quais amigos queridos, estranham minhas crônicas quando critico o presidente da República. Consideram que cometo uma injustiça, que generalizo e me esqueço de que devíamos ter orgulho de ter um intelectual no poder etc. etc. Outro dia, um desses amigos achou que FHC merecia um tratamento especial: afinal, era autor de livros etc. etc.
Hitler também escreveu um livro antes de subir ao poder. Mais: em nenhum trecho de seu livro ele procurou enganar sobre suas idéias e métodos. Foi de espantosa coerência. No tribunal de Nuremberg, quando algum nazista alegava desconhecer o que Hitler fazia ou pensava, havia sempre um juiz ou promotor que perguntava: "O senhor não leu o livro dele?"
Reconheço que o argumento não se aplica a FHC. Ele próprio foi o primeiro a pedir que esquecessem o que escrevera e pensara. Compreende-se, em parte, a linha evolutiva do seu pensamento. Por exemplo, criticou acerbamente o Cruzado, mas, em questão de poucos dias, mudou de opinião e elegeu-se senador à custa dele. Digamos que foi um imperativo eleitoral, um oportunismo político.
Contudo, a mudança substantiva na sua concepção de Estado, poder, soberania nacional, reclamos sociais e estrutura econômica transcendem a estratégia político-eleitoral.
Basta citar o atual constrangimento do seu partido, o PSDB, que não sabe como enquadrar um de seus fundadores.
Nem chega a ser uma questão de cargos e vantagens -o que seria natural. Aliás, pensando bem, até que os tucanos não podem reclamar, têm ministros, parece que sete, muitos deles ocupam postos-chave da administração. Reclamam é justamente da mudança na linha pensamental e no comportamento ético.
A condição de intelectual que atribuem ao presidente, se verdadeira, deixa mal todos aqueles que por isso ou aquilo se consideram intelectuais.

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