São Paulo, quarta-feira, 18 de junho de 1997
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Lorotas, mariquinhas e marandubas

ANTONIO DELFIM NETTO

A vitória do Partido Socialista na França reacendeu uma luz de entusiasmo entre nossos revolucionários sem causa. Alguns que fingiam ver no velho Karl a solução dos problemas do homem afoitamente abraçaram, com a mesma fé "progressista", o "mercadismo". O interessante é que, quanto mais eram oportuno-marxistas que exibiam as suas lorotas em embrulhos dialéticos, tanto mais são hoje oportuno-mercadistas que exibem as suas novas mariquinhas em embrulhos expectativo-racionais.
Outros, já no caminho do arrependimento, sentindo o que seu oportunismo sugere como uma mudança dos ventos, apressam-se a recuperar velhos escritos que escondiam e deixavam aos "cuidados dos roedores", como dizia o abandonado mestre. Tentam uma volta gloriosa. Na base do "como eu já havia escrito em 85...", já querem nos impingir novas marandubas, como diria o elegante ex-presidente Sarney.
Imaginar que, porque 12 dos 15 países europeus importantes têm governos que se chamam a si mesmos de "sociais-democratas", isso significa uma "volta para a esquerda" é levar longe demais a velhacaria retórica!
O que está acontecendo é uma coisa simples. Os critérios de Maastricht que devem ser atingidos em 1998 para que seja possível introduzir a moeda única européia (o euro) exigem uma política fiscal restritiva acompanhada de uma política monetária também restritiva, o que, quando preços e salários não são flexíveis, reduz "no curto prazo" o nível de crescimento e do emprego e mantém elevada a taxa de juro real.
Para os "fundamentalistas", a disciplina imposta ao mercado de trabalho deveria ensinar rapidamente os trabalhadores a conformar-se com menores salários reais. Os empresários, diante da redução da demanda, não poderiam aumentar as suas margens, a não ser graças à redução do salário real. O aumento das margens deveria levá-los a aumentar os seus investimentos, gerando demanda (sem aumento de preços) e pondo em marcha todo o processo produtivo...
Em breve, tudo estaria bem: o crescimento se acelerando; o emprego crescendo; os investimentos aumentando a capacidade produtiva e a produtividade; os salários reais poderiam voltar a subir sem pressionar a inflação e, com o câmbio real correto, o câmbio nominal poderia ser fixado de uma vez para sempre. A felicidade interna estaria estabelecida. E a Europa, unida em torno do euro e comandada não por um bando de políticos irresponsáveis, mas por uma afinada orquestra de iluminados burocratas instalados no banco central europeu.
Ah, cruel realidade! O programa estabelecido pelo famoso filósofo Pangloss no castelo de Thunder-ten-Tronckh e transmitido aos "cândidos-expectativistas-racionais" só não deu certo ainda porque o "curto prazo" para atingir a felicidade já leva uma década de infelicidade e acumula um desemprego monstruoso de 20 milhões de trabalhadores.
Estudos empíricos recentes mostraram que a construção de uma área monetária ótima (é isso o que será a comunidade) tem pouca coisa a ver com os critérios de Maastricht. A sugestão francesa de que o desemprego seja um critério adicional não é, portanto, absurda. Mas isso não tem nada a ver com a "esquerda"!

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